domingo, abril 27, 2008

29 de Dezembro de 2004

Uma noite no Cinebolso, com as “Enfermeiras Quentes”
Os gloriosos malucos do sémen voador


18 horas - Chego ao médico. As consultas estão um pouco atrasadas. Tenho tempo de ir ao Cinebolso ver os horários das sessões contínuas. É um bocado vergonhoso escrever um livro que escorre sexo e não frequentar uma única sessão num cinema pornográfico. Há uma sessão a começar às 23 e 15. Registo mentalmente. Custa 3 euros.

18 e 40m - Falo com o Rui ao telelé e dou-lhe conta das desventuras com o computador. Sou chamado para entrar para a consulta. Falo do esgotamento, peço o atestado para o Holmes. Sou auscultado (sobre os grandes temas da vida nacional e internacional), medem-me a tensão (12/7) e acabo a fazer um electrocardiograma, que me confirmou como uma pessoa de bom coração e elevada estirpe.

22h48m - Compro um bilhete para as “Enfermeiras Quentes”. Filme de Alain Payet, com as porno star francesas Katsumi, Nomi e Jane Darling. Tudo boa gente. A coisa promete. Os bilhetes agora tiram-se em maquinetas tipo Metropolitano. Entradas individuais e duplas. A máquina aceita notas e vários tipos de moedas. Depois mete-se o bilhete à frente do sensor e um torniquete abre-se para o corredor que dá acesso a bengaleiro, cinema e WC.
Há muita história naquele corredor. As vitrinas reproduzem um texto antigo do Alexandre Pais a protestar com as condições de visionamento no Roma, a propósito do “Amor entre mulheres”. Há cartazes porno antigos por cima das nossas cabeças, com estrelas como Amber Lynn ou Joanna Storm. Há também bilhetes antigos do Cinebolso. E fotos do tempo da projecção do “Salamandra”, do Tanner.
Durante um período em que foi do Pedro Bandeira Freire (chamava-se Quinteto) passou belíssimo cinema. Foi lá que vi o “Blade Runner”, o “Tubarão” (na mesma sessão que o Litos, actual treinador do Estoril), o “Utu, o último guerreiro”, o “Blues Brothers”.
Filmes porno, antes disto, lá nos meus 20 anos, só vi um. Francês. Mau como o caraças. Fui com um amigo e estivemos para levar um chocalho, para agitar cada vez que aparecesse uma actriz nova em cena.

23h10m - Resolvo entrar na sala, com um euro na mão esquerda,para dar ao arrumador. Mas qual arrumador? Não vi nenhum. Vou de sobretudo no braço e recuo prudentemente até ao “tombadilho”, que tem um varão de ferro, aí uns cinco metros à frente da cabina de projecção. Dá para passar de um lado para o outro da sala.
Encosto bem atrás e vejo todo o compartimento mergulhado na penumbra. As “Enfermeiras Quentes” estão na última cena, com um trio capitaneado por Katsumi a masturbar o paciente deitado na marquesa, a seis mãos, bem unidas, tipo mosqueteiros. Há o climax. Uma frase final. Leva aí uns cinco minutos, no máximo.
Bem, nestes cinco minutos aprendi um bocado sobre a vida. A sala tem para aí uns 30 ou 40 marmanjos. Mulheres, nem vê-las. Por baixo de mim, encostadas ao “tombadilho”, estão três cadeiras. Sem grandes dramas, o menino da ponta esquerda desata a mamar no vigoroso do senhor do centro, que está de boné de beisebol na cabeça, porque faz um sol do caraças no Cinebolso, às 11 da noite.
O senhor da direita observa. Depois chega outro senhor, que fica a ver. E eu ali, de pé, quatro metros atrás, sem saber onde havia de me meter.
O filme acaba. A luz acende-se. Os senhores compõem-se num ápice, mas não abandonam as suas cadeiras. Sei que só tenho uma “nesga” (temporal) de luz para me sentar. Passo pelo “tombadilho” e vou descendo pela ala direita. Há lenços de papel “desmaiados” em quase todas as filas. E pequenas poças de sémen moribundo, órfão e abandonado, testemunhas tristes e rasteiras das sessões contínuas do dia.
Lá consigo entrar para a sexta ou sétima fila, que está vazia. Fico mesmo em frente dos dois óculos da porta de entrada, tipo navio de luxo. Estou numa posição privilegiada para ver quem entra e sai.
As luzes apagam-se. A Katsumi começa logo com uma cena muito quente, mas o movimento na fila atrás de mim, 45 graus à direita, distrai-me. Há sussurros. Um menino de cabelo à menina tenta excitar manualmente um latagão de cabelo curto. Não percebo se vão ou não começar a acção. Aí com meia-hora de filme julgo aperceber-me de que o menino/menina pôs um preservativo no menino latagão e vá de lhe fazer um boca-doce é bom é bom é diz o avô e diz o bebé.
Aquilo durou pouco e a dupla emigrou para o pé do “tombadilho”, longe da minha vista. Mas as actividades continuaram e eles saíram juntos cerca de 40 minutos depois.

23h30m - Há sempre gente a ir ao WC, a sair e entrar na sala, a mudar de lugar. Isto é um bocado como o beisebol. A malta percebe a essência do jogo, mas há muitos movimentos que nos escapam.
Às vezes, há gajos que vêm de pé à coxia e olham para mim. Eu estou muito sossegadinho, vê-se logo que não me estou a masturbar e só olho para as pessoas para “morder a cena”. Não estou nada interessado em “ir a jogo”. Quando me olham, eu colo os meus olhos ao ecrã, tipo Malcolm McDowell no “Laranja Mecânica”. Não vá dar-lhes ideias de se virem sentar ao meu lado. Mas não acontece nada. Não sou chateado durante toda a sessão.
A minha preocupação é não deixar cair o sobretudo, o cachecol e as luvas ao chão. A minha fila parecia imaculada, mas pode ser ilusão de óptica e a esperma estar seca e dissimulada no chão azul-escuro.
Acabo por ter uma erecção quando a louríssima e belíssima Nomi faz uma senhora felação ao paciente de serviço.

24h - A sala começa a ficar reduzida na sua lotação. Às vezes saem revoadas de quatro gajos. Uns vão para o WC, outros vão embora. Há para ali códigos de comunicação que a malta desconhece.
A rapaziada que está sozinha vai acabando alguns serviços. Sinto o ranger metálico das cadeiras com uma intensidade diferente nas filas atrás de mim. Não chego a recear ser atingido em plena nuca por uma esguichadela. Simplesmente porque o perigo não me ocorreu. Sofri mais a ver o “Em águas profundas”, com o casal abandonado em pleno mar, com os tubarões a rondar.

00h20m- O filme não tem história nenhuma. É cena atrás de cena. Mas as meninas são do melhor do porno gaulês. A Katsumi tem duas cenas arrebatadoras, a Noni uma e a Jane Darling outra. Na penúltima cena, uma menina de olhos azuis e piercing na língua também protagoniza uma bela cena com o “doutor”.
Lá para trás, numa das últimas filas, dois amigos falam animadamente durante cerca de 25 minutos, completamente alheados do filme, que lhes serve apenas de “música ambiente”. Saem quase no final, muito entusiasmados com a conversa.

24h42m - Quando as luzes se acendem, há dois espectadores na sala. Eu e um gajo a dormir, lá para trás. Depois fico a saber que é um dos “arrumadores” oficiais da rua Actor Taborda, que se refugia do frio dentro do cinema. Acorda estremunhado e despede-se do funcionário: “Até amanhã”.
Consigo ainda apurar que as sessões da tarde são mais concorridas (60/70 marmanjos) e que a presença de uma mulher é rara. Os putos adolescentes não estão para se meter num esquema daqueles.
— Hoje, com os vídeos em casa, quem é que precisa de passar estas vergonhas ? — questionam-me, já perto do Saldanha.

01h10m - À volta do Técnico, para variar. Estão 8 graus dos frios. A polícia ataca em grande, com carrinhas granjolas, veículos sinalizados e à paisana. Mais uma patrulha a pé. Os polícias também se dividem em auto-polícias e pedestres.
Operações Stop. Conto 7 pedestres e duas auto-putas. Uma delas, que costuma seguir para a zona da Alameda, tem um carro novo. Conversa com um cavalheiro também motorizado, na posição “69 de estacionamento”.
Ele: “Eles andam por aí espalhados por todo o lado. Ainda agora em Chelas…”
Desço. Uma loura fresquinha sai do carro de um menino de brinco. Deve ser o manager. Não tem nada pinta de cliente. Ele terá vinte e poucos. Ela poderá ou não ter idade para votar.
Dou mais uma volta e decido abordá-la, numa das últimas investigações deste livro. Mas a patrulha da polícia vem a subir a rua. Só quero abordá-la com calma. Dou mais uma volta ao quarteirão e ela já não está lá quando passo outra vez. Desculpem lá, leitores.
Hesito em dirigir-me a outra senhora, toda de preto, já avançada nos trintas. Mas dona de uma belas pernas, emolduradas em bonitos collats cor de carvão escuro. Assim que me aproximo, pára uma carrinha Mercedes e ela parte para longe de mim e dos leitores.
Regresso a casa. Como queijo e marmelada. Bebo chá. Deito-me. Agarro no meu bloco e escrevo o diário. Em termos de escrita no computador, levo uns 15 dias de atraso. Isto vai mesmo passar dos 350 mil caracteres. Ai,ai,ai…
Quanto maior, mais dificuldades de publicação. Mas o sexo vende ou não vende?
Andei eu aqui a pedalar para quê? A tentar nadar no meio dos esgotamentos, das noites em branco, do sono a surgir no meio do basket, do ténis, do futebol…
E os filmes que não vi, no cinema, os DVD do clube de vídeo…
OK, está bem, o livro foi pretexto para andar nos clubes de strip, coitadinho de mim. Mas tudo o que é obrigação cria pressão. Já começo a sentir-me mais leve, agora que estou a dois dias de finalizar o diário. Vou registá-lo na SPA com o título provisório de “Diário sexual de um escritor frustrado”. Também era giro “Outono sexual, diário de um escritor frustrado”. E aproveito para registar o pseudónimo Rick Dart.
São 3 e 57. Estou mesmo a precisar de descanso. Resolvo tomar um Morfex. Vou começar a cortar a 1 de Janeiro.
Ano Novo, Vida Nova. A solução da minha vida é fácil: deixar de ser camelo. É só largar projectos loucos, em que dou o cabedal para depois ser comido de cebolada. A versão 2005 tem de ser “não há dinheiro, não há palhaço”.

9 Comments:

Blogger Rozzana said...

Tá acabando...

11:45 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Pois está.
Mas no seu caso pode começar a ler tudo do princípio, a 1 de Outubro.
É muita coisa.
No Verão de 1977 tive um diário, mas era de características bem diferentes.
Este já foi mesmo escrito a pensar em livro.
Ficou a experiência.
Beijos.

4:48 da tarde  
Blogger Rozzana said...

Mas eu comecei a ler há dias, Luís. Ainda estou no começo de novembro, mas chego lá! : )

Beijo!

5:36 da tarde  
Blogger Rozzana said...

Uai, mas o que foi feito do dia 30 de dezembro? Vai publicar não? : )

6:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Cara Lolló:

Já não me lembro bem, mas acho que não há 30 de Dezembro. Salta logo para o último dia, 31 de Dezembro.

São os meus amigos que têm o livro. Eles é que postam.
Perguntaram-me se queria enviar para a mailing list, a dar conta do final do livro.
Agradeci e disse que não.
Afinal, recebi alguns mails a dizerem que não queriam receber avisos de actualização.
Por isso, agora impera a democracia total. Quem quiser, leia.

Comecei o livro a pensar que tinha editora. Acabei-o sem editora.
E mais ninguém se mostrou interessado.
Portanto, dado que falhou o objectivo de publicar e também o deste livro servir de "alavanca" para outras publicações, resta o "serviço público" aos leitores do blogue e ficou-me a experiência humana.

Beijo grande.

6:35 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Afinal, há 30 de Dezembro...

6:43 da tarde  
Blogger Rozzana said...

Sim, afinal há 30 de dezembro. É que eu já me acostumei aparecer aos domingos atrás de post novo. Foi só um pequeno atraso : )

Beijinho!

12:33 da manhã  
Anonymous paulo said...

adorei o teu livro.mas ainda bem que desististe de continuar pq omais certo era não consegires sair dessa vida.
um abraço.
paulito

10:53 da manhã  
Anonymous Luís Graça said...

Obrigado, Paulo.
Tudo isto já me parece muito distante.

4:59 da tarde  

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