segunda-feira, março 26, 2007

18 de Outubro de 2004

Broca no siso

16h30m - À hora marcada sento-me na cadeira do dentista. O dente do siso do lado direito está a precisar de tratamento. Broca nele! Primeiro uma picadinha, para anestesiar. Depois, segue-se o trabalho normal do doutor, nestas ocasiões. No final, é-me feita a revelação: a cárie quase tinha chegado ao nervo. Descuido da minha parte? Talvez. Um pouco. Há anos que não ia ao dentista. Mas não me doía nada. Ou seja, há coisas que não doem e estão a fazer mal e outras que nos doem e afinal de contas nem fazem tanto mal como isso.

17.05h - Já estou na livaria da FNAC, a ver as novidades. O “De boas erecções está o Inferno cheio” ainda não se encontra nos escaparates da poesia. Sou tentado por uma série de livros, mas lá consigo resistir. Até chegar à zona da BD, claro. Compro dois da série “Vae Victis”(“Didius, le retour de l’infame, volume 5”; “Boadicae, la guerrière folle”, volume 6) e “Grand Vampire, la communauté des magiciens”, de Joann Sfar.
O Sfar é da mesma linha do Christophe Blain. Atraem-me mais os argumentos do que os desenhos. Mas têm um espírito satírico que aprecio imenso. O tom sombrio e irónico da narrativa cativou-me. Claro que a decisão de comprar um álbum se toma numa piscadela de olho e por isso é sempre prematuro efectuar juízos de valor. No entanto, em 90 por cento dos casos confirmo as expectativas.

18h05m - Como quase não chovia, fui a pé do Rossio até ao Instituto Italiano, na Rua do Salitre. A propósito da Semana da Língua Italiana, o organismo promoveu um tri-lançamento da Cavalo de Ferro. Durante uma hora, tive enorme prazer em escutar o director do Instituto, bem como Diogo Madredeus (o editor) e os três autores, Romana Petri (os olhos castanhos mais intensos que vi nos últimos meses), Alain Elkann e Giovanni Chiari.
A páginas tantas chegou a Teggy (a nossa governante laranja, que vinha com um casaco vermelho-semáforo e uns collants pretos sensuais), que saiu da sala por duas vezes.
Romana Petri cativou a assistência com o seu discurso bem elaborado. Deu uma perfeita noção do seu livro, uma história que começa em 1943, no Dia do Armistício. Fala da Itália sob o nazismo e da resistência, mas não se fica por aí.
Depois o microfone passou para Alain Elkann, um homem sedutor, que fascinou a audiência. Começou por falar de coincidências, das visitas em Lisboa, da oferta cultural na cidade, desembocando no seu livro, um diálogo entre o pai parisiense e o artista Topor. Alain conheceu Topor sem saber quem ele era. E a imagem daquele ser pleno de vida, a fumar, a beber e a rir, marcou-o para sempre. Por isso, resolveu colocá-los em diálogo inter-tumba, num cemitério de Paris “frequentado” por nomes muito famosos. Porque, mais uma coincidência, o pai de Alain ficou sepultado ao lado de Topor. E o progenitor do escritor não ia lá muito à bola com artistas.

Do surrealismo de Alain Elkann passamos para o hiper-realismo de Giovanni Chiari, num livro que fala de morte e das relações entre um pai e um filho condenado a morrer. Um livro em que Chiari nunca escreveu a palavra Mafia de forma consciente, mas o “polvo” está presente na obra. O que não admira, porque Chiari se dedicou à investigação deste tema durante muitos anos.
Depois seguiu-se um beberete.Seria uma boa ocasião para travar contacto com os autores, mas resolvi ir até ao Holmes Place, dar umas braçadas na piscina. Saí pelas 22h25m, a tempo de chegar a casa e ver mais um episódio da nova série de “Os sopranos”. Fiz um bocadinho de “zapping” e depois segui com muito interesse a entrevista de Nuno Artur Silva, por Ana Sousa Dias. Como já vi “Urgências” (fui à estreia, no Maria Matos, com os convites dados por um dos autores dos sete textos, o Pedro Mexia), pude balizar o discurso do Nuno, quando se falou do espectáculo.
Agora estou aqui a escrever o diário e depois passo à Net, a ver se tenho mensagens para responder.

domingo, março 18, 2007

17 de Outubro de 2004

Baptizados McDonald’s e peixeirada no futebol

Às 6 da matina ponho-me a fazer zapping e apanho a grelha de partida para o GP Austrália, em Moto GP. Sabendo que o Rossi se pode sagrar campeão, não resisto. Fico a ver no Eurosport.
O circuito de Philip Island é muito bonito e exige uma grande condução. A última volta entre o Rossi e o Gibernau foi espectacular. “The doctor” conseguiu o seu sexto título mundial, aos 25 anos. Um génio!
Como diria o Chico Buarque: “Foi bonita a festa, pá!”.

Durmo três horas e lá vou para o baptizado, em Alhandra.
Nunca tinha assistido a um baptizado tipo McDonald’s, celebrado por um diácono castiço. Eram umas quatro crianças para baptizar “em série” e a coisa exigia um certo ritmo.
Depois fomos almoçar a Arruda dos Vinhos. Venho para fora do “Barrilinho” e dou uma volta pelas redondezas. Rapidamente dou comigo na Peixaria do Adro e no Beco das Amarguras. Fiquei a fazer festas a um gatinho querido, preocupado em ver se conseguia caçar uns passaritos.
Seguiu-se uma tarde em família, em casa dos pais da criança baptizada. O final do dia foi preenchido com o visionamento do Benfica-FC Porto.
Como eu esperava, o futebol português continua uma maravilha. As cenas da sala de Imprensa do Estádio da Luz são antológicas. Luís Filipe Vieira, José Veiga e Pinto da Costa em absoluta super-forma. Pinto da Costa aproveitou pouco depois para dar mais um pontapé, desta feita na gramática, com um “houveram” que lhe saiu do mais profundo do seu ser. Calma, José Régio, o homem já não declama o “Cântico Negro” há uns tempitos. Penso eu de que.
Regresso a casa pelas 23 horas, para tirar a farpela e ler os jornais do dia. Espanto-me com o empate do Benfica no hóquei, frente ao Paço D’Arcos, que ainda não tinha marcado golos em dois jogos. E também me espanto com a vitória do Benfica em Ovar, na abertura do campeonato de basquetebol.

terça-feira, março 06, 2007

16 de Outubro de 2004

Viva o Benfica!

Os meus projectos para este sábado consistiam em ver o Sporting com os austríacos (andebol), pelas 15 e 30, no pavilhão do Casal Vistoso; o Benfica-Paço D’arcos (hóquei) e o Benfica—V. Guimarães (vólei), na Luz. Como fiquei na cama até tarde (estive a escrever de madrugada um poema sobre o “Cânticos dos Cânticos”, para uma compilação organizada pelo meu amigo Gonçalo Salvado) nem sequer vi o Sporting na TV. Soube depois que os “leões” seguiram em frente, o que nem me espantou, visto que já tinham triunfado fora.
Almocei em casa e segui depois até à Luz. Agora o pavilhão do vólei foi baptizado de Açoreana Seguros, o que pode provocar trocadilhos que doam aos benfiquistas, em caso de derrotas.
Andei um bocado à toa para dar com o acesso ao pavilhão, pois saí do táxi no topo da Rua dos Soeiros, como fazia sempre. Depois fui por ali abaixo e tive um bocado de dificuldade em orientar-me. É muito cimento, muito descampado, muito betão à vista, muita luz, muita megastore. E pouco projecto urbanístico com o Belo por prioridade. Os estádios de futebol são hoje bocados de estruturas, com publicidade a grandes multinacionais. Deixaram de ser espaços de convívio e aventura do espírito. O do Benfica não foge à regra. Basta ver onde deixaram a estátua do pobre Eusébio, com vista para nada, entalada entre carros que estacionam onde couberem.
Chego ao pavilhão a poucos minutos do início do jogo de estreia do campeonato de voleibol. Os fiscais pedem-me a identificação, apesar de já me conhecerem há uns 20 anos. Têm dificuldades em compreender o estatuto de freelance. Depois tomam nota dos números do cartão do CNID (Clube Nacional de Imprensa Desportiva) e da Carteira Profissional e eu lá entro.
Subo o mais possível na bancada e mesmo assim ainda me sinto baixo. O vólei é das modalidades que gosto de ver de alto. Mas o pavilhão (arranjadinho, arrumadinho) é muito “british”. Está com o público muito em cima do campo.

Os espectadores são quase os mesmos do pavilhão do Casal Vistoso, onde o Benfica jogou a época passada. Não chegam às duas centenas. É tudo malta da família do voleibol: jogadores, treinadores, dirigentes, seccionistas, familiares e amigos dos jogadores.
Fico triste. Agora que o Benfica assume a candidatura ao título, ainda não há espectadores para encher o pavilhão? E não houve sinergia hóquei/voleibol, já que o hóquei se disputou pouco antes?
É claro que não. O povo não tem cultura desportiva e já está a pensar no Benfica-FC Porto do dia seguinte, em futebol, e das guerrilhas verbais do costume. É óbvio que se o Benfica disputar o título vai haver gente pendurada por todo o lado no pavilhão de voleibol, no jogo decisivo.
Bem, para resumir: o Benfica lá ganhou por 3-1, com parciais equilibrados, com uma excepção.Não me lembro dos parciais. Isto não é jornalismo, é literatura.

(Nota do Autor — Será mesmo literatura? Com um bocado de boa vontade será literatura epistolar... mas a verdade é que este diário não é escrito para ninguém em especial... ainda pode ser considerado literatura epistolar? E os vários registos, desde o coloquial ao vincadamente literário... não retirarão dignidade à prosa? Mas qual dignidade?!?)

O grande atractivo do encontro era avaliar das novidades em cada equipa. No primeiro “set” os encarnados andaram mesmo à toa e o Vitória dominou, porque o Benfica não atinava com a defesa baixa e o distribuidor (o Adriano Carneirinho, ou Lamb) via-se grego para dar jogo em condições. Depois as coisas mudaram de figura e o Zé-Tó Jardim lá deve ter convencido as enormes “vigas” do Benfica de que voleibol era mais do que bater na bola com força e velocidade. Porque o Dudu, o André França e o Renato Júnior estavam a abusar do estilo “é mesmo à canzana, senhor Gungunhana”. Aquilo era “vai buscar Tibi e não se pensa mais nisso”. Depois veio ao de cima a qualidade de jogo do André Lukianetz, que não é muito alto, mas “flutua” no ar, apesar de estar a saltar antes de tempo. O que é compensado pela impulsão e explosão do remate.
Saio do pavilhão e recebo uma mensagem do meu amigo Juvenal, que esteve a ver o hóquei em patins do nosso Sporting. É mais uma preciosa vitória, sobre o Cambra, por 3-2.

22h30m - Estou na FNAC Colombo, a ver as novidades. Compro o último Steven Saylor. Adoro policiais romanos. Adoro mesmo, tia! São o máááximooo!
Também compro uma agendinha da teNeues para 2005. Mantive-me fiel ao Monet nos últimos anos, mas desta feita aposto no James Rizzo. Não faço ideia quem seja o pintor, mas gostei dos bonecos. Agora é só investigar no Google e decorar meia-dúzia de coisas sobre o homem. Mais tarde ou mais cedo há-de haver uma miúda curiosa com a minha agenda e eu aproveitarei para mostrar erudição, com um ar muito natural.

23h - Fui comer ao Pasta Caffé. Está quase vazio.
Regresso a casa e resolvo dar uma volta ao Técnico, para contar putas. Não é que me apeteça especialmente, mas começo a perceber que já é uma tradição deste livro. Aqui vai: 13 pedestres, 2 auto-putas. A notícia da noite (perto da 1 da manhã) é que do lado do Instituto Nacional de Estatística estava um potencial cliente de cócoras a falar com uma auto-puta, agarrado à porta do carro; do lado da Rovisco Pais estava a miúda da camisola à Feyennord de cócoras, a falar com dois potenciais clientes, num carro. O que é que lhes deu para adoptarem a posição preferida dos treinadores de basquetebol?
Em casa tomo uma chávena de chá e ponho-me a fazer zapping. No canal 18 estão no truca-truca, para variar. O Hollywood está a dar um filme com o John Wayne, o Ben Johnson e a Ann Margret. Nos outros canais está a Elle McPherson a fazer de fufa e mais uma data de cenas.
Venho para o computador. Quase não tenho mensagens no Hotmail. Escrevo o diário. E são 4 e 9 da madrugada. Ainda nem comecei a ler os jornais. E amanhã (que digo? daqui a bocado...) tenho de me levantar, para ir a um baptizado.