domingo, abril 22, 2007

23 Outubro de 2004

Gala de kickboxing

21h10m - Desisto da ideia de ver o Sporting-Belenenses na TV e vou até um gala de kickboxing, no Arena de Lisboa, ao pé do Jardim do Tabaco. O grande combate da noite era o Max (Francisco Maximiano) face ao francês Wallid Haddad, campeão gaulês. Acabou no final do segundo round, com a desistência forçada de Max, lesionado numa omoplata e na perna direita, que apresentava um extenso edema. O francês castigou Max de forma intensa e o público ficou frustrado com a brevidade do combate. Max saiu ao colo e o guarda-redes sportinguista Nelson (que foi entregar os prémios) lá entregou o troféu de vencedor ao francês. A menina que assinalava o início dos “rounds” era uma estreante, de sorriso radioso.
Grande sensação foi a presença de Manuela Moura Guedes, que se aguentou até ao final da gala, mesmo depois da vitória de Pedro Koll (Sporting), de cuja família é amiga. Depreendo eu e só posso depreender correctamente. O “Fisga” (treinado por Fernando Fernandes, que regressará às lides a 6 de Novembro) é espectacular e mantém um ar muito discreto antes e depois dos combates. Parece que não é nada com ele.

24h - Saio com o meu amigo Amílcar Teixeira, repórter fotográfico da extinta “Gazeta dos Desportos”. Pomos a conversa em dia, bebemos um copo e vou a pé até à casa dele. Não chovia. O rapazinho continua a pescar e disse-me que apanhou um pargo de 2,860 quilos porque tem um carreto Stella Shimano 7000 XA, de 16 rolamentos, com WC, cozinha e três ensolaradas.

O Amílcar é um grande cromo e um bom amigo. Foi ele que me recebeu na Gazeta em Agosto de 87, pondo-me à vontade. Recordo com particular saudade o dia em que fomos entrevistar o goleador holandês Peter Houtman, a Cascais. Estava o Amílcar a tirar-lhe a foto para a capa, máquina numa mão, saco a tiracolo, quando o poderoso canídeo do goleador (um boxer de nome Urban, assustador mas bom camarada) resolveu empreender uma tentativa de sexo, atacando o Amílcar à má-fila, por trás. O Amílcar teve um bocado de dificuldade em resolver a situação. Os braços ocupados com o material e o enorme boxer no seu truca-truca virtual. Nem eu nem o Mário Pereira (que também foi connosco) nos quisemos intrometer na situação.
Passado um bocadinho o filho do Peter Houtman (um lourinho de uns três anos) estava muito entretido a chutar uma bola de praia contra o focinho do cão, que resolveu emigrar para o meu colo, para obviar à chatice. De modo que eu estava a entrevistar o Peter Houtman de braço completamente estendido e um boxer ao colo. Só deixou o meu colo quando o filho do Houtman o abalroou com um triciclo.
Presumo que o cão estivesse a pensar algo do estilo:
“Caralho para o puto! Nestas merdas deviam deixar-nos aviar uma pedagógica dentadinha”.
Olha, eu, por exemplo, tenho uma cicatriz de boxer na mão direita. Tinha 12 anos e o “Sir” resolveu arquivar a minha mão, a fundo perdido. Tiveram de lhe abrir a boca e puxar-me a mão, que já estava dormente. Anos depois, em 1991 ou 1992, fui mordido em plena Federação de Futebol pela mascote “Leão”, ao pé do elevador.
Aplicando a máxima “Não se foge com a mão, que pode rasgar e é pior” levei três dentadas em vez de uma. Gostava de conhecer o cabrão que inventou essa teoria. Fui ao Instituto Câmara Pestana com o boletim de vacinas do “animal agressor”, que mais tarde foi identificado pela polícia.
Bem, eu é que tive azar. O “Leão” nem era o animal mais perigoso da Federação, por aqueles tempos.

terça-feira, abril 17, 2007

22 de Outubro de 2004

Welcome to Falagueira City

19 horas - Aí estou eu a chegar à estação de Metropolitano da Amadora Este, também conhecida por Falagueira City. Não conseguia passar as portas do Metropolitano nem à lei da bala. Qual bilhete, qual Viva Lisboa!
Saltei as portas (já tinha levado com elas nas têmporas a 8 de Junho, no Campo Pequeno, como prova a queixa anexa) e chamei um funcionário simpático, que foi soltar as pessoas que não quiseram saltar. Só faltou a música dos Delfins: “Soltem os prisioneiros, soltem os prisioneiros...”.
Entro no festival e o Rui Brito dá-me a credencial da POLVO, ou seja, o meu passe social para o festival. A essa hora estava toda a gente a concentrar-se na galeria Artur Bual, na CM Amadora, onde tudo começou há 15 anos. Eu pensava que íamos ao jantar de inauguração, mas ao invés fiquei especado em frente à banca da POLVO, a ver as “tropas” (livros) a ocupar lugar na “parada” (escaparates).

A POLVO divide o stand com a BOOKTREE. Fico a falar com amigos até às 21h30m. Depois, eu, o Rui e o Nelson vamos comer filetes urgentes e beber “Pipa Doirada”, da Vinícola de Borba.
Regresso ao festival e mais paleio. Pela primeira vez saio da estreia do festival sem ver uma única prancha. Também há tempo. O espaço ainda está em perfeita carpinteiração, mas nota-se que o espaço é muito maior.
Como está tudo um bocado confuso, são alteradas as sessões de autógrafos do dia seguinte, o primeiro sábado do festival. Regresso de boleia com o Rui Brito, mais o Pedro Brito e o Tiago Gomes, da “Bíblia”.

domingo, abril 08, 2007

21 de Outubro de 2004

Aí estão as minhas “Erecções” à venda nas melhores livrarias!

18h45m - Estou a chegar à Bertrand do Picoas Plaza, onde se realiza o lançamento dos “Super-heróis da História de Portugal”, texto de António Gomes de Almeida e ilustrações de Artur Correia, dois amigos do cinema de animação, da BD e da escrita, de há 20 anos. Que grande gozo me dava ler os “Tele-gatos”, a crónica do António na “Tele-semana”, a revista de televisão dos anos 70, em formato tipo “Maria”.
Parece que ouço a voz do meu colega Luís Marcos, nas aulas mais chatas do Liceu Camões, a segredar-me da carteira por trás da minha, nos idos de 1979: “Psst, passa aí a Tele-semana”. Eu, o Luís Marcos e o Orlando (por alcunha o “Batata”) passávamos muito tempo juntos.
Adiante.
Primeiro falou a editora, a Zita Seabra. Ninguém bateu palmas. Depois falou o apresentador da obra, o João Paiva Boléo. Toda a gente bateu muitas palmas. Depois falou o Artur Correia. Toda a gente bateu muitas palmas. Depois falou o António Gomes de Almeida. Toda a gente bateu muitas palmas. Depois a Zita Seabra encerrou a sessão e convidou para os copos e os salgadinhos. Ninguém bateu palmas.
Como o António e o Artur são uma organização, a malta dava o livro ao António, o António autografava e punha o livro na bicha (em cima da mesa), enquanto o Artur dava despacho aos desenhos. E a malta ia dar uma volta pela livraria e voltava depois para recolher o livro. Assim é que é!
Numa das voltas dei com o “De boas erecções está o Inferno cheio”, a 6 euros e picos. Afinal sempre chegou às livrarias antes do Festival da Amadora. Por pouco, mas chegou. No escaparate principal, “As mulheres não gostam de foder”, do meu amigo Rabo, está em grande destaque.
Embrulhem, cidadãos de Viseu! E ponham-se a pau. Vou levar um bastão de beisebol e um martelo. Sempre quero ver se eu e o Rabo “não nos intregramos no espírito da cidade”. Para vergonha já basta eu ter fugido da estátua do Viriato, com 6 anos. Estavam-me a tirar uma foto, eu olho para cima, julgo observar um movimento e fugi uns metros. Depois senti-me estúpido, mas já estava.
“Então estás a fugir de uma estátua?”.

Estas merdas marcam um gajo para a vida inteira. Aos 19 anos, na Venda do Pinheiro, de madrugada, tinha noites em que os eucaliptos me assustavam e imaginava inimigos que me queriam assassinar. Aí era fruto de ter visto muitos filmes do Hitchcock, do Dario Argento, do Carpenter...
Mal eu sabia que muitos anos depois se rodou na Venda do Pinheiro um grande filme de terror: “Big Brother”.

21h15m - Cá estou eu em mais uma sessão de hidroginástica. Havia oito senhoras para cinco homens. Está a ficar mais equilibrado.

24 horas - Vejo o Luís Louro no “Cabaret da Coxa”. Só teve direito a 8 minutos de tempo de antena. E a Maya foi aos 14 porque continuou a falar com o Unas, que aquilo estava a apontar para os 11. É o que eu digo, o Cabaret está a perder nas entrevistas. O flash do salão de Barcelona do Gimba foi muito curto. Logo a seguir a SIC Radical passa um documentário de 2000, “Sin cities”, e ficámos a conhecer os antros de Barcelona como deve ser.
Soube pela Maya que o Benfica ganhou 4-2.
Venho para o computador e escrevo o diário. Estou com fome. Vou comer qualquer coisa e ler os jornais. São 4 e 25 e tenho um princípio de enxaqueca.
Beijinhos e até amanhã, se fôr caso disso.

domingo, abril 01, 2007

20 de Outubro de 2004

A stripper que jogou hóquei no gelo

19 horas - El Corte Inglés (Correios)
Porra! Há muita malta à minha frente na bicha dos correios. E é tudo pessoal com magotes de cartas, para variar. Está um bocado abafado. Ouço a música ambiente e leio A BOLA, com as intermináveis telenovelas sobre o Benfica-FC Porto. Vejo que o Sporting vai defrontar o Hamburgo em andebol. Agora é que não posso falhar o jogo. Por dois motivos: primeiro, para ver os craques do Hamburgo. Depois, porque o Sporting não se safa desta nem com muitas velinhas ao Dr. Sousa Martins e muitos discursos do António José de Almeida. Os milagres têm limites. Que seja um bom espectáculo.
Ponho em correio azul o poema para a antologia do Cântico dos Cânticos. Mando em correio azul um livro “Fadas Láureas” para um amigo de Baleizão e outro para a rua Guaratiningueta, em S. Paulo, Brasil. Para o meu grande amigo Arthur Garcia, companheiro da Tertúlia BD, que regressou ao Brasil e se dedica à BD e ao ensino.
Quando saio do Corte Inglés estou mais leve 19 euros.

20h46m - Chego ao restaurante “Moisés”, onde vou seguir a segunda parte do PSG-FC Porto. Aproveito para dar duas de conversa com o meu amigo Carlos Castro, um dos donos do restaurante.
O FC Porto lá perde por 2-0 e as coisas ficam muito negras no que toca ao apuramento. E até o terceiro lugar, que dá acesso à UEFA, fica em risco.
Depois sigo para um loja de fotocópias. Tiro cópias ao convite para um lançamento de uma antologia sobre Teixeira de Pascoaes (tenho lá um poema), no dia 5 de Novembro. E também tiro cópias a um mail do Alvarez Rabo, para dar ao Rui Brito, editor da Polvo. E ainda à cartinha do IVA, que vai seguir mais uma vez a zeros, que isto de ganhar dinheiro no jornalismo está a aproximar-se de uma verdadeira utopia.

23horas - Armo-me em camurço e resolvo ir dar um “Fadas Láureas” à Cherry Chérie sem ter combinado nada previamente. Meto-me num táxi, ando 20 minutos (o trânsito está porreiro nos arredores de Lisboa, apesar da estrada molhada da chuva) e dou com o nariz na porta no “Clube dos Corações Solitários”. Ou melhor, aquilo estava a funcionar, mas a Cherry Chérie estava constipada e não foi. Granda melão!
Não entro. Meto-me noutro táxi (é só despesas!) e regresso a Lisboa. Dá-me na caixa dos pirolitos e penso: Ai é? Agora vou mesmo investigar um clube de strip.
Antes disso saio no Fórum Lisboa, para ver o cartaz do Festival RIR. Saco montes de folhetos de vários acontecimentos culturais.

23h30m - Passo a pé pela zona do Técnico. Há uma auto-puta estacionada. Mais acima, uma operação stop da polícia. Três carros parados, vários polícias a pé. Um deles com uma shot gun, em pose marcial, mas sossegada. Olha, esta vida está mesmo a mudar.
Quando passo pelo Saldanha vejo oito marmelos em plena rotunda, no meio da estrada, a discutir uma cena qualquer de obras ou sinalização. Dois têm coletes laranja, os outros têm pinta de engenhêros. Dois polícias de colete laranja desviam o trânsito, que contorna o octeto dialogante, que parece muito perplexo.
Do outro lado, ao pé do Monumental, o senhor que tem a mania de dizer adeus e levar com buzinadelas de volta está no seu posto, com a habitual expressão indescritível e a mãozinha a acenar, tipo Queen Elizabeth.

00h05m - Estou no “Maybe”, ali no Conde Redondo, na zona dos travestis e da Sociedade Portuguesa de Autores. Mas o negócio do “Maybe” é muito heterossexual. Não há talvez nem meio talvez. Ao contrário da Sociedade Portuguesa de Autores, que está cheia de paneleirices burocráticas e não faz a mínima ideia de onde pára o dinheiro dos associados, nem das suas actividades de criação. Em Junho chamaram-me para ir lá receber uns dinheiros, não me conseguiam explicar de quê e depois acabaram por me dizer que não tinha nada a receber. Até estranharam que me tivessem telefonado. Comecei a ferver e estava quase a pedir um isqueiro para queimar o meu cartão de sócio, o 8800.
Acabei por sair de fininho e fui ver o Suécia-Bulgária do Europeu, a Alvalade. Ao intervalo ainda me apetecia bombardear a Sociedade Portuguesa de Autores.
Bem, adiante. Entro no “Maybe” e abanco de frente para o palco-ferradura onde as strippers exibem os seus dotes. Bancada central. Peço um drambuie com uma pedra de gelo. Passados uns dez minutos, vem ter comigo uma menina loura, esguia e alta, com um ar querido.
Beijinho para aqui, beijinho para ali, posso sentar-me, claro, faça favor, olá, como se chama, chamo-me Luís, muito prazer, é português, por acaso sou, fala espanhol, falo.
A menina era checa, de Praga. Nome de guerra: Penélope. Não resisti: então, a fazer uma pausa nas tapeçarias? Ela percebeu a piada. Afinal a cultura grega não anda longe das strippers. Perguntei se era um trocadilho estafado na vida dela. Era. Pedi desculpa. Desculpou-me.
Combinámos falar em espanhol. Também podia ser em inglês, mas ela falava um espanhol correcto. Deu-me os parabéns pelo meu. Disse-lhe que era uma coisa normal. Ela disse que poucos portugueses falavam. Eu disse que não, a defender a malta. Ela insistiu. Das duas uma: ou lhe dava uma lamparina ou ia para a cama com ela. Solução de compromisso: nem uma coisa nem outra. E vai de me pôr a falar de Praga, do filme do Soderbergh sobre o Kafka. Etc e tal.
E depois ela cravou-me uma bebida, que já estávamos nos dez minutos de diálogo para aquecer, perna encostada à perna e eu a mergulhar intensamente naqueles olhos bonitos, emoldurados por uns óculos queridos à secretária de contabilidade, tão usuais nas nossas fantasias eróticas.
— Faço outra proposta: que tal um contact dance, em vez da bebida?
Pois muito bem, disse ela, mas o problema continuava a existir. Não podia estar ali ao pé de mim sem beber, durante muito tempo. Nem era por ela. Eu já estava a pau com a escrita. Uma bebida “low profile” para as meninas é só 10 euros. Lá disse que sim.
— Posso pedir já para marcarem no cartão de consumo a contact dance e a bebida?
Poistáclaro. Fáxavor.

(Nota do investigador: a CONTACT dance custa 40 euros, é feita num privado e existe contacto físico bilateral, com termos. A PRIVATE dance é feita num privado, custa 20 euros e só a menina é que pode mexer no menino. A TABLE dance custa 10 euros, é um strip feito na sala, em frente do cliente, sem contacto físico. A LAP dance é feita na sala, mas existe contacto físico unilateral. Custa 15 euros).

Lá vem e bebida para a menina, num copo alto. Parece-me sumo de laranja, sem tirar nem pôr. Não digo nada. Lá emborco o meu drambuie (ela cheirou a bebida e assustou-se, achou forte, eu disse-lhe que era uma espécie de uísque com mel e açúcar, para os gulosos como eu e para as crianças deste país) e fico um niquinho à espera, enquanto ela se foi arranjar. Estou ligeiramente transpirado (Lisboa está abafada) e espero que o stick desodorizante da Azzaro Crome cumpra a sua missão. Bem como os três esguichos de Live Jazz, da Yves Saint-Laurent.
Desço na vida, com ela. Lembro-me agora da única visita que fiz ao “Maybe”, já há uns anos, com dois amigos, assim tipo bebida, meia-hora a ver as meninas e adeus e um queijo da serra. Na altura era na cave que os strips se processavam. Agora é no primeiro piso.
Mas os privados são no bunker escuro. Faço de conta que tenho medo. Nunca consigo abdicar de uma boa dose de palhaçada. Não há ninguém na cave. Ela fecha a cortina e começa a despir-se e a promover contacto. Se fosse no basket era falta.
Toca-me ao de leve nas partes baixas e pergunta, com um ar maroto:
— Está aqui qualquer coisa?
Obviamente que está. Nem mais nem menos do que 17 centímetros de incompetência sexual, no estado de sentinela. Ou por outra, está também o heterónimo “El negrito”. É que eu sou um bocado moreno. Colocar a palma da minha mão ao lado do Lusinho é uma espécie de Black and White, mas sem uísque.

(Conto-lhe a história do “El negrito”, que remonta aos meus tempos de desportista universitário, na Faculdade de Direito. Já íamos com uns seis meses de época, todos nus, nos duches frios da Cidade Universitária, quando o capitão de equipa olha para mim mais detalhadamente e me pergunta, com um ar sacanamente irónico:
— Ó Luís, desculpa lá a pergunta, mas levaste algum choque eléctrico?
— Olha, Carlos, uma coisa te garanto. Não está assim de ir ao forno.
A partir daí foi a caldeirada geral. Eu mesmo me alcunhei de “El Negrito” e de cada vez que chegava ao balneário lançava a palavra de ordem:
“Oi pessoal, chegou El Negrito, toda a gente dá um grito”.
E a rapaziada dava um grito histérico.
No final do ano fizemos uma jantarada e eu pus-me a distribuir troféus. Até dei uma medalha com a inscrição “Troféu El Negrito” ao capitão de equipa. Como o voleibol de Direito estava misturado com a equipa feminina de Direito e Medicina, havia miúdas no jantar, que ficaram curiosas com a história. Ainda tive esperanças de que desse qualquer coisa, mas está quieto ó mano.
A noite acabou a discutir com um polícia por estar a andar nos cavalinhos do jardim Sá da Bandeira, ali à Ribeira. E depois, eu, o Carlos e o Luís viemos para minha casa comer sandes de marmelada e eu pus-me a declamar poesia e a falar de desgostos amorosos.
Como a malta entrou em minha casa às escuras, para não acordar a minha avó, o Carlos-capitão-de-equipa-que-nunca-tinha-estado-em-minha-casa, queria-se despedir de mim à entrada para a casa de banho, onde o Luís tinha ido fazer um urinançozito rotineiro do nascer do dia.
— Atão obrigado, ó Luís, vemo-nos no treino.
E eu:
— Olha lá, costumas despedir-te das pessoas antes de entrar para a casa de banho, Carlos?
E ele:
— Eh! pá, pensava que era a saída. A malta entrou às escuras.)

Disse à Penélope que isto me tinha inspirado o conto “O homem que tinha o pénis cor de carvão”, incluso no “O homem que casou com uma estrela porno e outros contos perversos”. Ela disse que não conseguia ler português e ficámos por aí. Mas fartou-se de rir.
Sentou-se em cima de mim e os seus seios delicados tocaram-me o rosto. Toquei-lhes ao de leve. Ela apreciou o meu gesto e desabafou:
— Assim tudo bem. Há homens que se põem a apertar à bruta, pensam que isto são botões de rádio, para sintonizar...
Eu não sou desses. Sou um ser sensível. Percorro-lhe as pernas longas com delicadeza, nas pontas dos dedos. Sinto ao de leve os seus pelinhos louros. Ela fica envergonhada e desculpa-se:
— Já me devia ter depilado.
Sossego-a:
— Não se preocupe. É muito querida e bonita.
Sorri. Agradece. Começa num vaivém em cima de mim, mas está na zona do cinto e não toca no “El negrito”. Podia ter-lhe dito: “Psst, desculpe, se é para excitar não está a acertar no target”. Mas não disse nada. Deve-se deixar trabalhar as pessoas em paz e sossego. Por outro lado, é-me difícil excitar. Sinto-me sempre um pouco nervoso. Mesmo podendo tocar a menina, não me sinto completamente à vontade.
E além disso o Outono está aí em força. Já estou com umas calças de bombazina fortes. A sensibilidade é menor. De repente, veio-me à ideia um diálogo de amigos no antigo “Skylab”, hoje 69-B, também degenerado em clube de strip. Em Agosto de 2003.
— Ó pá, não percebo o que se passa com os gajos que não sentem nada. Devem ter algum problema...
Ai o caraças! Não tenho nenhum problema, mas não disse nada ao mocinho, que transpirava como o caraças na casa de banho, depois de uma Private Dance que o deixou de biela gripada.
Voltando à Penélope e às 00h45m (mais ou menos), assinalo que a menina se sentou de costas para mim, começou a situar-se de outra forma de encontro ao Luisinho. O contacto foi mais intenso e uma mão delicada passou por baixo dela e começou a acariciar-me no Luisinho. Uma coisa fina, tipo “Como vai o cavalheiro? Família? Tudo bem? Estimei vê-lo!”. Nada de sacar da manápula tipo recruta da tropa, assim a modos: “Tudo a pé e é já, dentro de dez segundos”.
O Luisinho começou finalmente a entusiasmar-se e o Luís sentiu a missão moral de o encorajar, para que mais tarde não se contem histórias de molezas físicas na República Checa.
Processou-se um diálogo tipo Beatriz Costa/António Silva “Chega, chega, minha agulha, afasta, afasta, afasta meu dedal”.
— Ai, paizinho — dizia o Luisinho.
E eu, tipo António Silva, a encorajar o Luisinho.

Depois a menina pôs-se de joelhos e passou-me os seios pequeninos e perfeitos pelo Luisinho. O Luisinho achou óptimo e continuou de pé, como se estivesse a espreitar as marchas na Avenida da Liberdade. E desabafou para comigo:
— Que pena os manos Zezinho e Huguinho não terem vindo...
Depois a Penélope sentou-se em cima de mim, já toda nua, e pôs-se a emitir uns gemidozinhos sensuais, em uh!uh!uh!.
Percebia que era coreografia vocal, mas deixei-a lá com as suas manias, embora não me provocasse nada. É como aqueles engraxadores que fazem um ganda barulho com o pano nos sapatos. Aquilo não engraxa mais por causa disso, mas é um ritual. Há que respeitar, até porque tem a sua beleza.
Depois aquilo acabou, ela olhou para mim e sentiu que eu estava com aquela expressão:
— Ó mãe, não vamos já embora do jardim zoológico, ainda quero ver a aldeia dos macados e dar uma moeda para o elefante tocar o sino...
Mas a vida é mesmo assim e 40 euros não dão direito ao Paraíso.
— Eu sei que duas músicas é muito pouco...
Gostei da sua solidariedade. Ficámos a falar mais um bocadinho e depois ela escusou-se e partiu para outras paragens.
Vi afastar-se a Penélope dos 28 anos, mãe espanhola (ah! está explicado o espanhol perfeito...), há dois meses em Portugal, com passagens anteriores por clubes de strip do México e de Tóquio.
— Portugal é muito diferente. No México, a corrupção é muita. Tudo se compra.
— Pois é. Portugal é muito diferente... olha, agora a sério, aqui neste país as coisas estão a vir ao de cima e já não param...
Reclino-me no sofá confortável. Olho para o tecto, tranquilizador, que parece o Planetário, cheio de estrelinhas.
“Daqui a pouco continua o show da noite. Teremos a Miss Carina”, diz o DJ brasileiro, ainda mais moreno do que o Luisinho. Um tom raro na casa, do lado da tripulação. Disseram-me que a política era não ter meninas blackie:
— Não é por racismo. É por opção. Nos optámos essencialmente pelas portugueses.
E assim, nessa noite, no “Maybe”, estava toda uma equipa de portuguesas, uma Nicole da Letónia e uma Penélope de Praga. Olaré!
Noite calma, de quarta-feira, de muito paleio.

E lá pelas 2 da manhã, um sujeito gordinho e simpático activou o “Super Show” no palco. Uma cena para despedidas de solteiro. Mas não parecia ser o caso.
O nosso amigo sentou-se na cadeira e uma portuguesinha com físico cheio, à la pinturas de Rubens, apareceu por trás, tirou-lhe o cinto, meteu-o de gatas e levou-o nesses preparos até à mesa dos amigos, pelo palco fora. Depois, cavalgou o menino e deu-lhe palmadas no rabo:
— Ai, é tão bom — dizia a Isa, sorriso galhofeiro.
E os amigos:
— Ó pá, olha a hérnia do homem...
Depois o senhor foi outra vez sentado na cadeira, a menina foi-se despindo, foi amarinhando por ele acima, deitou-o ao chão outra vez (para mim era “ippon” e acabava o combate, mas sabe-se como está a arbitragem portuguesa), tirou-lhe as calças e deixou-o com uns boxers brancos muita castiços, com vacas pára-quedistas.
— Deixa-te estar aí — disse a Isa, que depois lhe mandou gelo para dentro dos boxers.
Já que se estava a desperdiçar gelo no palco, pedi ao empregado gelo para o Drambuie, para cortar e porque não tencionava pedir mais uma bebida, a 13 euros. Trouxeram-me um balde de gelo à maneira.
Depois a conversa descambou para a mesa do lado. Simpatizei com um senhor de Leiria, que tinha más experiências com mulheres algarvias:
— As algarvias são quentes, putas e falsas.
— Mas não há excepções?
Esteve complicado para ele concordar. Ele achava é que a miúda do palco “que tem muita pedalada, eu é que já estou velho” era algarvia. E perguntou-me se a matulona loura era portuguesa. E eu:
— Acho que sim. Estava a falar português.
Ganda barraca. Uma hora depois a matulona loura veio ter comigo, ao fechar da loja e sentou-se em cima do saco da FNAC que tinha o livro para a Chérry Chérie, já autografado.
A menina da Letónia estava em Portugal há três anos, gostava à brava de literatura, viu o “Fadas Láureas” de ponta a ponta e propôs-se que riscasse o nome da Cherry Chérie e lhe desse o livro. Fiquei sensibilizado, mas disse-lhe que só tinha uma palavra. Ela compreendeu e ficou a respeitar-me.

Depois falámos de literatura russa e tínhamos Tchekov como gosto comum. Só meti água quando disse que conhecia o Jankauskas, que é lituano e não da Letónia. Porra! Da outra vez foi o Pará e o Paraná, com a Cherry Chérie!
Foi-se a ver, a miúda até jogava hóquei no gelo na Letónia, na brincadeira. Lá puxei dos galões de ex-comentador do Eurosport.
— Posso pedir uma bebida?
— Desculpa lá, mas isto vai mau pelas bandas do jornalismo. Já excedi o meu budget. Já lá vão 76 euros e já fui pagar ao multibanco...
— 76 euros?
— Pois. Dois drambuie, uma contact com a Penélope e uma bebida para a Penélope. Tlim. Thank you. Come again.
Estava na hora de fechar a loja. Um indiano das flores já tinha saído sem vender nada, apesar dos cravos a dois euros.
Fui dar um beijinho à Penélope e desejámo-nos mutuamente felicidades. À saída pediram-me a chapinha. Qual chapinha? Neguei três vezes. Afinal, a chapinha era um matacão rectangular que me tinham dado depois de ir ao multibanco. E dizia: “Deixa-me à porta”. Nem tinha pensado nisso. Se tivesse um buraco em cima e outro texto podia servir para pendurar nas portas dos quartos de hotel: “Do not disturb”.
Fui um bocado atrasado mental, mas aquilo não tem nada de chapinha. Chapinha é uma coisa pequenina, redondinha, de metal, que nos dão nos bengaleiros ou nos balneários das piscinas.

4h20m - À volta do Técnico. Para proceder à tradicional contagem. Estavam 17 pedestres e duas auto-putas. Ao pé do Instituto Nacional de Estatística, cinco pérolas de ébano dialogavam animadamente em dialecto, tipo “Alvorada Zulu”. Outras três comiam hamburgueres, sentadas num degrau lateral do prédio Alves Redol, onde fica o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores.
Do lado do Técnico, ao pé da Alameda, um jipe cheio de putas pedestres, a rilhar a ceia. E uma senhora mais velha, ao volante, a deixar fugir a frase quando eu vou a passar:
“Eu é que tomo conta das meninas. Das minhas putinhas”. Com muito doce maternal naquela voz de bagaço, que já viu muito da vida.
Já estou no fim da contagem, ainda sou abordado por uma veterana que nunca tinha visto.
— Queres vir?
— Obrigado. Vou para casa dormir. Também é preciso dormir.
— Tinhas tempo. Nem sabes o que perdes.
— Acredito. Mas ainda vou escrever.
— Escrever? (espanto estampado na cara).
— Pois. Sou jornalista.
Assim percebeu melhor.
Ainda passo pelo meio de duas pérolas de ébano, que estão a falar.
— Com licença.
— Passa.
E riram-se. Não estão habituadas a gajos bem educados.
São 6 horas e 55 minutos. Ontem não fiz diário. Houve o lançamento do “Fadas Láureas” na FNAC Colombo. Fui para lá dar autógrafos no livro do Luís Louro que tem um texto meu. O livro está impec. Estou muito feliz. Antes disso estive na hidroginástica do Holmes. Havia quatro homens e doze senhoras. A Joana (monitora) disse que eu estava a ter uma evolução extraordinária. Aquilo caiu-me bem, mas hoje tive de pagar 76 euros no “Maybe”. Ainda estive para perguntar na hora da dolorosa:
— Desculpem lá, não há descontos para quem está a ter uma evolução extraordinária na hidroginástica?