domingo, dezembro 24, 2006

3 de Outubro de 2004, Domingo, 14h31m (casa)

Dia de desporto televisivo.

Acordo cedo, tendo em conta que o meu objectivo prioritário é ver o FC Porto-Belenenses, que só começa pelas 19 e 15 horas, transmissão na TVI. Claro que existe esse pequeno particular do almoço e a compulsão de ler os jornais.
Seja. Aproveito para assistir ao Campeonato do Mundo de ciclismo. Resolvo assistir à prova no Holmes Place, a pedalar com os craques, frente ao plasma. Vejo em A BOLA que o final da transmissão do Eurosport está previsto para as 16 horas. Bom horário. Desta vez não me vou deixar surpreender. Perdi o GP do Qatar (motociclismo) por falta de informação.
Chego ao Holmes por volta das 15 horas, já equipadinho com os meus recentes calções pretos almofadados na zona tomatal. Pedalo em roda livre, nada de andamentos altos. Pedalo durante cerca de uma hora. Os craques em Verona (belo traçado, belas paisagens), eu nas Avenidas Novas. Mamei um litro de água. Convém.
Ao meu lado, uma chavalinha de uns 20 anos pedala em bom ritmo. É toda ela bonita. Não tira os olhos do chão a olhar para mim. Está toda equipada de preto e o meu coração fica de luto, devido à sua indiferença. Deve ser um bocadinho vaidosa, porque até as luvinhas pretas condizem com o equipamento. As luvinhas pretas não são necessariamente úteis no ciclismo. Mas dão imenso jeito na musculação. Pois é, agora elas também já puxam pelo cabedal.

Reparo que ambos abanamos os ombros no mesmo ritmo. Não adianta nestum, mas sempre é um prémio de consolação. Pelo espelho gigante do clube vejo as boazonas a aproximar-se das bicicletas ou das passadeiras. As bicicletas estão na “pole position”, mesmo em frente ao espelho. Atrás de nós ouve-se o barulho característico das solas dos ténis a friccionar a borracha (ou lá o que é aquilo) das passadeiras. Apetece-me virar os cornos para trás de cada vez que se aproxima uma boazona. Pelo espelho dá ideia de que são mulheres virtuais, tipo Lara Croft. Por outro lado, dá para trocar olhares de forma mais desinibida, se for caso disso. É como se tudo fosse um jogo fora da realidade. O Domingos Amaral (para quem não saiba, o gajo é filho do Freitas do Amaral, mas o estilo de escrita é algo diverso) fez um editorial na revista Maxmen a dizer que os tugas olhavam muito e abordavam pouco. Faço parte desse escalão otário.
E mesmo assim sinto-me privilegiado. Olhar é um enorme prazer. Eu é que sei o que foi estar quase um mês na Arábia Saudita, durante o Mundial de Futebol que os putos ganharam em 1989. Mulheres eram um bem raro. No regresso (Campeões! Campeões! Portugal! Portugal! Portugal!) à pátria, voámos primeiro até Amesterdão, pela KLM. Quando a hospedeira holandesa fechou a cortina para mudar de roupa da cintura para cima, um camarada jornalista pediu educadamente, com olhinhos de cocker spaniel engripado:
— Não feche, por favor. Estivemos um mês em Riade.
Ela riu-se e fechou a cortina. Profissional, não é? Para me vingar da falta de álcool em Riade, pus-me a beber Heineken de urgência e a mistura caiu-me mal com o peixinho. No free-shop de Amesterdão andei a vomitar um bocado. Mas em grande estilo. Cada vez que fechava a porta do WC saía um jacto de perfume. Assim (quase) dá gosto chamar ao gregório.
Estava sem dormir há dia e meio e o meu aspecto era um bocado mau. Era pior estar sentado do que a andar, dada a exaustão. Passei o free-shop a pente fino. Tínhamos seis horas antes de embarcar para Lisboa. O meu aspecto era tão mau que se puseram a inspeccionar a nota com que paguei umas revistas de automóveis.
Bem, voltemos ao Holmes.
Sinto-me ignorado de forma uniforme por todas as miúdas do clube.

Um dos monitores está também interessado no Mundial de Ciclismo. Trocamos alguns comentários.
— Então e os portugueses?
— Parece que o Pedro Cardoso vem no grupo do José António Flecha, a minuto e meio da frente — esclareço.
— E os outros?
— Ainda não ouvi nada. Devem ter desistido. A Itália já perdeu o Bettini.
— Quem é que está a puxar?
— O Izidro Nozal e o Mancebo estão a controlar. É um Espanha-Itália, com tendência Espanha.
No sprint final ganhou o Óscar Freire, sem surpresa e com mérito. Foi o tri do menino e a segunda vitória em Verona. Quero ir para a piscina, mas estão a dar uns planos bonitos de Verona. Fico a ver. Classificações dos portugueses... é mentira. Até aos 25 primeiros nada a assinalar.


16h45m (piscina)

Entretive-me na conversa e só cheguei à piscina à hora do lanche das pessoas normais. Meto-me na água. A temperatura está impecável. Quase ninguém ocupa as três pistas. A profundidade assusta-me (metro e vinte bem medidos), mas sei que é difícil afogar-me.
A água nas orelhas chateia-me um bocado e passo a vida a enfiar a touca. Mas vou melhorando. Estou eu muito bem a nadar de costas e a olhar para o tecto (podiam colocar páginas de BD no tecto, assim a malta nadava de costas e dava para ler uns álbuns em slow motion) quando entra uma boazona de fato de banho azul-escuro. Fica-lhe bem, porque tem os olhos azuis.
Dá-me na caixa dos pirolitos e vou buscar halteres de latex. E fico para ali a saltitar na minha faixa de rodagem, tipo pardalito, simulando indiferença à presença da boazona. Irrita-me que os regulamentos do clube obriguem a fato de banho inteiro. Se os bikinis fossem permitidos, seria um festim! Tipo concurso Hawaian Trophy ou assim!
Bem, a boazona é muito branquinha e matulona. A juntar aos olhos azuis. Penso: deve ser mais uma sócia ucraniana ou russa. Nestes casos, deve-se proceder como nas passagens de nível sem guarda: “Pare, escute e olhe. Um comboio pode esconder outro”. Atrás de uma boazona costuma vir um namorado. O tempo médio da distância de segurança é de cinco minutos, porque as miúdas entram por um balneário e os homens por outro. Outra regra estúpida do Holmes Place.

Lá vem o namorado. Pouso os halteres e ponho-me a nadar com as pernas a rodar à ciclista. Um truque que aprendemos na hidroginástica. O casal está abraçado num dos topos da piscina. Vou-me aproximando devagarinho, para ouvir o diálogo. Só para confirmar a língua que estão a falar. A uns dez metros ainda não dá para tirar conclusões. O som do russo é parecido com o do português. Lá me vou chegando. Afinal são portugueses. Já vejo russos e ucranianos por todo o lado.
Vou para o jacuzzi, que está quase vazio. É importante ter cuidado quando se frequenta um jacuzzi. A palavra deriva da soma dos termos Jack com Uzzi. O jacuzzi é uma mistura de Jack Daniels com uma metralhadora Uzzi. Quem não tolerar o álcool e não souber nada de armas deve abster-se de frequentar o jacuzzi.
Fico poucochinho tempo: meia-hora.
Tomo duche e regresso a casa. Ligo para a Sport TV e o Chelsea do Mourinho está a carregar sobre o Liverpool. Sei mais tarde que acabaram por ganhar por 1-0. O Mourinho estava crispado. Olha a novidade! Como não ouvi dizer nada, presumo que tenha conseguido acabar o jogo sem ser cuspido por adeptos do Chelsea ou do Liverpool. Mas se isso acontecesse não viria mal ao Mundo. Ele considera as escarretas como um facto menor.


18h30m (Galeto)

Almoço no Galeto. Creme de tomate. Ovos mexidos com cogumelos, uma dose de batatas fritas. Regresso a casa e vejo o FC Porto-Belenenses. Os dragões lá ganharam 3-0, mas o Belém deu muita luta. O Diego andou quase todo o jogo discreto. No final abriu o livro, com meia-dúzia de toques de magia. Ver o FC Porto jogar está a fazer-me mal. Por um lado, como sportinguista, acho um piadão às derrotas do FC Porto (um fenómeno que só acontece no futebol, nas modalidades já não sou assim), por outro lado gosto de ver jogar os artistas da Invicta. O Baía lá continua com umas saídas à “99”, que era a agente secreta que trabalhava com o Olho Vivo. “Don Adams é Get Smart”. E depois fechavam-se portas atrás de portas, antes da habitual luta entre Kaos e Control, as duas organizações que tratavam do Mundo na altura.
Hoje sabemos que o Saddam e o Bush fornecem argumentos muito mais improváveis.


21h45m (Pasta Caffe)

Sai uma lasanha e um crepe de chocolate. Ponho-me a passear a seguir ao jantar. Vou até ao vídeo-clube. Já voou o “Intimidade”, do Patrice Chéreau, que estava em venda directa. Deve ser um bocado seca, mas parece que a Kerri passa a vida no truca-truca. Vi a menina numa curta-metragem do “Indie 2004” e fiquei com vontade de galá-la toda nua.
Regresso a casa na exacta altura em que o Simão Sabrosa marca um golo ao Palatsi. Aquilo deixou-me um bocado triste. O Benfica lá acabou por ganhar. Amanhã joga o Sporting. Fé? Mais um empate. O Rui Santos está na SIC Notícias a dizer que o Rochemback está gordo.
Mudo de canal e apanho com um grande plano do Castelo Branco. É verdade, começou a “Quinta das Celebridades”, na TVI. Rendo-me. Da outra vez tinha jurado que não via o primeiro “Big Brother” e não consegui. A partir do pontapé do Marco, o “Big Brother” até invadia os noticiários. Há ainda motivos suplementares. A Fátima Preto está a entrar agarrada ao Avelino Ferreira Torres. Vejo a montagem de apresentação da Fátima Preto e mando um SMS para Deus, a dar-lhe os parabéns pelo belo trabalho. Quer dizer, não foi um trabalho completo, mas foi o que se pôde arranjar. A Júlia Pinheiro perguntou à Fátima se ela se considerava uma loura tradicional e a miúda trocou-se toda. Se fosse na série “Pesquisa”, com o Doug McClure e o Anthony Franciosa, havia uns aparelhos todos modernaços que até davam o bater do coração e percebia-se que os maus estavam à brocha. O Alexandre Frota a olhar para a Fátima Preto até se babava todo. Estava a ver que a Júlia Pinheiro ainda entrava de serviço à esfregona.
Depois a emissão passou para o puto Vasconcelos, que conseguiu comer uma cenoura a meias com um cavalo. O truque é giro, mas o chaval ainda não era nascido e eu já fazia a mesma coisa com o meu cão. Com algumas variantes. Eu fazia o truque com gressinos e íamos progredindo os dois simultaneamente. O “Beauty” tinha mau feitio e queria sempre comer mais gressino que eu. Bastava acentuar uma expressão gananciosa com o meu olhar que o cão queria acelerar o ritmo e acabava engasgado na maior parte das vezes, para não se armar em campeão. Comer gressinos é uma arte que não está ao alcance de todas as raças.

Mudo para a SIC e estão outra vez a gozar com o “Ídolos”. Às tantas entra o Fernando Rocha e manda as caralhadas da praxe. Olho para o relógio: 23h47m. Gosto do puritanismo da nossa sociedade. A SIC pode passar caralhadas antes da meia-noite, desde que seja para combater a “Quinta das Celebridades”. Mas o “Cabaret da Coxa” tem de estar num gueto, porque é mal-comportado. Por outro lado, sabe-se que a TVI é realmente uma TV de inspiração católica. Por isso podemos considerar a “Quinta das Celebridades” como a antecâmara do Inferno.
Não nego que gostei de ver os vestidos da Mónica, da Fátima Preto e da Cinha Jardim. Estavam com um “glamour” digno de filme porno de alta produção. Não percebo como deixaram entrar a Pimpinha Jardim para o estúdio. Ou a miúda veio à boleia ou eles não têm amor à limusina em que chegaram os convidados.
Gramava ver a Kate Bush no programa do Herman. Mas não há pachorra para esperar. Venho para o computador e ponho-me a escrever o diário. Isto sim, é um trabalho digno. Temas sérios, fundamentados, análises à sociedade portuguesa, investigação. Resumindo: pedagogia humanista.

domingo, dezembro 17, 2006

2 de Outubro de 2004, cinema S. Jorge, 17h15m

Chego ao S. Jorge para assistir a mais uma sessão de curtas do festival “Indie 2004”, cuja primeira edição decorreu com assinalável sucesso, as salas cheias de gente jovem, que gosta de cinema. Em Abril de 2005 já vai haver a segunda edição. Porra, isto é que é uma democracia de sucesso! Uma coisa a funcionar em Portugal!
Troco o meu convite do Instituto Franco-Português por dois bilhetes para a abertura do festival de cinema francês, no dia 7 (Isto é só festivais e eu sou um intelectual). O meu lugar favorito de Lisboa (S. Jorge, P-20, primeira fila do balcão superior) está ocupado. Aceito P-27 e P-28 e fico todo satisfeito. Falta convidar uma amiga para a noitada cultural.
No átrio estão o Miguel Falcato (da Tertúlia BD de Lisboa, fundada pelo Geraldes Lino) e o Filipe Homem Fonseca, das Produções Fictícias. Ficamos à conversa, a olhar para um plasma. O Pedro Brito (que fez a capa do meu livro ‘De boas erecções está o Inferno cheio’, da POLVO) está a dar uma entrevista ao canal interno, se assim lhe podemos chamar.
Passam dez minutos até eu perceber que o Pedro Brito está a dez metros de mim, ao vivo, por baixo do plasma. Coisas dos sonos trocados e de ter acordado há pouco tempo. Ou então sou mesmo estúpido. Hipótese a considerar com alguma atenção. É tempo de entrarmos para a sala. O Pedro Brito vem falar ao Filipe, já nós os dois estamos sentados. Por coincidência tínhamos bilhete lado a lado. É um bocado perigoso, porque ele vê-me a votar no filme com argumento dele. “Sem respirar” (oito minutos, com desenhos do Pedro Brito) leva um 4 sincero (0 a 5). Não faço fretes a amigos. O Pedro é um valor da animação portuguesa. Dou dois cincos a duas curtas nórdicas delirantes e o filme espanhol de animação leva 4, porque os cenários são muito bonitos, apresenta um discurso narrativo coerente e a música entra a matar. No dia seguinte fico a saber que “Com qué la lavaré” ganhou o prémio das curtas. Não vi todas, mas acho exagerado. A animação é fraca. Básica, mesmo.
A miúda espanhola é assim para o pequenininho e disse umas palavras antes do filme, com voz tímida. Chama-se Maria Trenor. Não sei porquê, disse uma frase em espanhol e depois deu-lhe para falar em inglês. O pessoal ficou banzado. Foi giro ver uma espanhola a falar inglês.


19h10m – Megasex

Lembrei-me de ir comprar o passe social aos Restauradores. Não havia. Só no Saldanha. Ponho-me a subir a Avenida da Liberdade e acabo a visitar a Megasex. Não sei se é a 1 ou a 2. Há outra a subir para o quartel do Carmo. Esta é a Megasex que tem sexo ao vivo, com o povo a meter moedinhas e a apreciar os artistas. Nunca vi. Mas prometo ver, em nome dos leitores.
Sim, em nome dos leitores e das leitoras, seus palhaços! Se eu quisesse ver já tinha tido centenas de ocasiões ao longo destes anos todos! Vocês são é uma cambada de ingratos. Sim, porque eu farto-me de gastar dinheiro para vos reportar a realidade nacional do momento. E não tenho adiantamento da editora. E depois, como é? Suponham que há um imprevisto qualquer e o livro fica em águas de bacalhau. Quem é que me paga o dinheirinho gasto a investigar? São vocês, seus palhaços? Ah! não são? Então, xarap!

(Desculpem, não queria irritar-me. Só tenho de vos agradecer por terem comprado o livro e continuarem a ler. Se chegaram aqui, merecem uma medalha de mérito cultural. Eu posso explodir de vez em quando. Não me levem a mal. Sabem, eu nasci de cesariana. Isto tem alguma influência. Não sou mau gajo, mas passo-me um bocadinho de vez em quando)

A TV ao pé do bar está a dar um jogo do campeonato espanhol. Espreito, mas nem fixo quais são as equipas. Depois ponho-me a mirar e remirar os vibradores, que cada vez estão mais bonitos. Gosto particularmente dos grandalhões verdes e dos grandalhões rosa, transparentes. Aquilo é que é design. E depois o que é que elas fazem com eles? Sabem, não sabem? Há mulheres que não respeitam nada.
Olho para os cartazes com as fotos dos artistas do sexo ao vivo. Não conheço ninguém. É rapaziada que anda a dar duro pela vida. Isto de subir o guindaste à hora marcada tem que se lhe diga. Gramava ver o Teixeira Duarte ou o Soares da Costa nesta vida.
Passo à zona dos DVDs. Vejo aquilo tudo em ritmo calmo, embora sem abusar da minúcia. Detenho-me num DVD das produções Marc Dorcel. Acabo por comprar, a 29 euros. Pago eu, não é a Oficina do Livro, estão a ver? Por motivos lógicos até devia poder descontar no IRS. Sim, se o Miguel Esteves Cardoso escreveu “O amor é fodido” e foi trabalho, este livro é o quê?

Se o mercado de trabalho no jornalismo estivesse normal, como é que eu tinha tempo para andar a peregrinar as catedrais da noite? Impossível. Ainda me lembro dos meus tempos da Gazeta dos Desportos. Quase nem dava tempo de alugar um VHS pornográfico, entre a correria Redacção-Estádios. Foram os tempos da descoberta do porno: Ginger Lynn, Traci Lords, a Private... ah! a inocência, bonita coisa...
Bem, acabo por sair da Megasex ao mesmo tempo que um senhor de fato cinzento e ar triste, que não comprou nada. Vou a pé Av. Liberdade acima, com o objectivo de ir comprar o passe social ao Saldanha. O tempo está quente. Não parece nada Outubro, mas também não se percebe nada do clima. É aproveitar o que se pode.
Desvio-me pela Alexandre Herculano e depois viro à esquerda e começo a subir. Entro na outra sex-shop. Dou as boas-noites ao empregado brasileiro e deparo-me com um adepto do Benfica trajado a rigor. Anda um bocado perdido no meio dos DVDs. Um tipo dos seus trinta e tais, com bom aspecto, está a ver os DVDs sado-masoquistas. A oferta aumentou consideravelmente. Os DVDs da área gay também conquistaram espaço. E está tudo arrumado por temas.
Só fiquei na loja uns cinco minutos. As paredes estão cheias de calcinhas matreiras, de todas as cores, desde o amarelo-canário (está certo, é para cobrir dignamente a passarinha) ao vermelho-Benfica, passando pela zebra-zoo.
Deixo dois “aviões” a observar os vibradores. Não ouvi quase nada da conversa, mas percebi que eram profissionais a comprar objectos laborais para uma noite de trabalho/prazer. As duas coisas? Só elas poderiam responder.
Venho por ali acima e dou com uma loura lindíssima na Rua da Sociedade Farmacêutica. Está vestida de forma perfeitamente discreta. Mas eu desconfio que pode ser uma menina de leste a caminho do “Elefante Branco”. Gosto de acertar estes palpites. Um escritor pode e deve ser um observador. Dou-lhe uns metros de avanço e sigo-a, usando as mais recentes tácticas da PJ, em cuja zona me encontro. É fácil: é só andar atrás da pessoa sem ela perceber que vamos atrás dela de propósito. E depois não se pode perder a pessoa de vista. É muito mais fácil do que acontece nos filmes policiais. Deviam ter uma secção de Perdidos e Achados.
A miúda mete uma chave à porta e entra num prédio da rua. Não foi para o “Elefante Branco”. Mas mora perto. Ainda é cedo. São 20h32m. Os meus palpites podem bater certo. Nunca saberei.

(Gostaram da gravidade deste “Nunca saberei”? É muito literário)

Dobro a esquina e vejo um cartaz da Junta de Freguesia do Coração de Jesus, a menos de 30 metros do “Elefante Branco”. Tento fazer uma festa a um cãozinho, mas ele sobe para o banco onde está sentada a dona. Não dá confiança nenhuma.
— Ele está com medo de mim.
— Pois é, desconfia de quem não conhece.
Dou as boas-noites à senhora e prossigo. Na outra esquina está uma livraria religiosa. Nesse momento tenho de correr, a atravessar a rua, porque o 74 vem na broa. Para onde vai? “Corpo Santo”. Nesta zona os nomes combinam todos.
Lá compro o passe no Saldanha, já com um dia de atraso.
Janto em casa.
Avisam-me que está a dar o “Cabaret da Coxa”. Fico a ver a repetição. Sou militante do “Cabaret da Coxa”. Fui entrevistado duas vezes. Na primeira era para ter o maestro Vitorino de Almeida como companheiro de programa. Na volta foi a Marisa Cruz. Estive 15 dias a recuperar do desgosto. Na segunda vez fui o segundo entrevistado, depois da Rita Ribeiro e do Hugo Rendas.
O Unas disse-me que eu já era da família.
— Pá, já és o poeta-fetiche do Cabaret! Aparece quando quiseres...
Isto foi no dia da “rentrée”, com entrevista ao gajo que invadiu a final do Europeu, o Jimmy Jump.
Neste programa, o entrevistado é o José Jorge Duarte, mais conhecido pelo “Lecas”. Numa de militância, ponho-me a cronometrar o tempo da entrevista: 11 minutos. É muito pouco. As entrevistas estão a perder terreno no “Cabaret”. Fico com pena. Considero as entrevistas o espaço-nobre do programa.
Mas gramei à brava ver os “bastidores” da gravação do “TV Piston”, com uma stripper egípcia que a produção do Cabaret contratou ao “Passerelle”. Eles têm um protocolo.
Acaba o Cabaret e anunciam um filme erótico. Ponho-me a fazer “zapping”. O filme erótico tem mulheres bonitas, mas é aquela seca. O argumento serve para exibir os nus. Uma maneira de fazer porno sem a coragem de mostrar as penetrações. Porque erotismo é outra coisa. É mais “O amante de Lady Chatterley”, com a Sylvia Kristel em plena forma.


Lembro-me de uma Playboy brasileira com um ensaio sobre o filme. A primeira Playboy que comprei foi em 1982. Tinha a Suzane Carvalho na capa. Abençoada Natureza, que tais filhas tem! Um gajo meu amigo que está na PJ perdeu-me um número com um estudo sobre vodkas e a Ísis de Oliveira. É o que dá emprestar as coisas. Já passaram 20 anos, mas o gajo diz que continua à procura da revista. E depois ainda ‘manda bocas’: “Obrigadinho é o que eu te desejo. Desculpa lá a maçada que me deste”.
Bem, deixo a Sic Radical e volto ao princípio. Começo na RTP 1. Vejo uns nomes italianos no genérico e ainda levo meio minuto a perceber que é o “Cinema Paraíso”. Já vi o filme várias vezes. É longo. Da primeira vez que o vi, no Londres, até chorei. Foi numa sessão das 19 horas. Depois segui até ao Pavilhão da Tapadinha, onde decorria um torneio de futebol entre jornalistas. Não era previsto eu jogar, mas acabei por ir à baliza da “Gazeta dos Desportos”, frente à “Capital”. Arranjaram-me um equipamento à pressão.
A “Gazeta” estava um bocado descoordenada e a “Capital” passou a vida a atacar. Acabámos por perder 5-4, mas defendi à brava. Nos balneários, o capitão Mário Nóbrega (que agora está em A BOLA) disse aos jogadores:
— Pensem no que fizeram mal, para corrigir. E se não perderam por mais podem agradecer ao guarda-redes.
Assim até dá gosto perder! E podem crer que a “Gazeta” perdia muito. No primeiro torneio de futebol de cinco do Atlético, em 1990, perdemos os jogos todos, mas ganhámos o troféu do fair-play. Nessa altura eu tinha os cabelos compridos e jogava à frente. Fui o melhor marcador da equipa: 4 golos em dez jogos! Houve um jogo em que marquei dois golos!
O segundo melhor marcador foi o Filipe Viana, que a malta alcunhou de “Fitrip” e fumava à bravex. Corria como o caraças, mas só durava dez minutos. Eu durava o jogo todo. Andava a correr de um lado para o outro, sempre com um defesa atrás de mim. Eles não me conheciam de lado nenhum e por uma questão de princípio marcavam o gajo mais adiantado. De maneiras que era um bailado entre o Maneta e o Fugitivo.
O Nelson (que era o colaborador de andebol) teve uma tirada que resumia o estado de espírito da equipa:
— Isto a seco é que custa muito! Quando se marca um golito é logo outra coisa!

Pois, é que a Gazeta ficou em branco várias vezes. Só nos dois jogos de treino com o Atlético (éramos amigos daquela malta) levámos 18-1 e 17-2, com os gajos a jogar devagarinho. No torneio foi mais suave. Mas a última derrota custou muito. Foi com a selecção do CNID (Clube Nacional de Imprensa Desportiva). Eles estavam em últimos e nós em penúltimos, com um goal-average muito melhor, aí por 20 golos.
Bastava-nos o empate, mas a malta queria ganhar. A coisa até estava equilibrada, mas no início da segunda parte sofremos três golos aí em cinco minutos e perdemos 8-4, acabando o torneio no último posto. Depois a malta habituou-se a ficar em último lugar nos torneios. O importante era participar.
E lá sensibilizámos a Administração da “Gazeta” a gastar uns 15 contitos em equipamentos Tadeu e Francelina, encomendados na Casa Sena.
— Temos de arranjar uns equipamentos diferentes de todos os outros, porque não há cacau para equipamento secundário — disse o Frederico, que tinha ficado incumbido de “dar a volta” ao administrador, para entrar com a nota.
De comum acordo entre mim e o Fred, escolhemos camisola roxa, calção preto, meia roxa com gola alta preta. O nosso “stopper” José Peixe (por alcunha o Tubarão Roxo) disse que estava muito bem, assim não se notavam as nódoas de tinto. Mas a maior parte da malta olhou para mim e para o Fred com má cara.

(Leram aqueles álbuns do Tintim em que apareciam ao Milou as vozes da consciência? Com um Milou-diabinho a envenenar e um Milou-anjinho a aconselhar o caminho moral? Bem, imaginem agora um Luís Graça-diabinho e um Luís Graça-anjinho a falar com o Luís Graça-autor.
Diabinho — Fosca-se, man, a malta quer é sexo. Volta lá ao sexo e deixa as memórias estúpidas. O jornal até já acabou, fónix!
Anjinho — Não, assim é que está bem. Recordar é viver, já cantava o Vítor Espadinha)


01h20m — Zapping sexual

Eu não sou mal intencionado nem tarado sexual. A Helena Vasconcelos, brilhante líder das Comunidades de Leitores, denunciou-me aos novos comunitários na Biblioteca de Algés: “Ali o Luís só pensa em sexo!”.

Para já, não é verdade. E mesmo que fosse, provo de seguida que sou apenas uma vítima da sociedade de consumo. A verdade é que toda a TV (olha, se fosse só a TV...) está infestada de sexo.
Na RTP 1 o “Cinema Paraíso” acaba com uma antologia de “linguados”. Na 2 nada a assinalar. Na 3 não me lembro, na 4 há porrada da má, que é mais barata. No GNT há strip integral, em barcos com a bandeira do Brasil. As miúdas são bonitas e o fundo musical é de guitarradas blues. No famoso 18 há umas boazonas a gemer. Por acaso a cena nem é má, mas fico lá dez minutos só para perceber de que nacionalidade é o filme. Finalmente lá aparece um “Do you like it?” com sotaque americano. Curiosamente, tal como na GNT, as cenas passam-se num barco, em pleno rio. Mississipi? Não faço ideia. Não vi mais nada.
Na Sic Radical está a xaropada do filme erótico com nome que nem fixei. Antes o “Ninja das Caldas”.
Vou para o meu quarto. Dou com o pequeno saquinho preto de estrelas doiradas. Todas as sex-shops dão destes saquinhos, que são mais opacos. Para mim é tinto. Assumo o que faço e o que vejo. Não me lixem! Se compraram este livro qual é a vossa autoridade moral para criticar?
Sim, já leram “A Idade das Trovas”, do Inocêncio Pinga-Amor (sou eu), Universitária Editora, 1999? Já leram “O homem que casou com uma estrela porno e outros contos perversos”, da Polvo, ? (Por acaso este foi mal escolhido). Já leram “De boas erecções está o Inferno cheio”, da Polvo? (Bem, este também foi mal escolhido. É do meu heterónimo Dick Hard).
Ah! cá está um bem escolhido, mas é em mexicano: “Ventana a la nueva poesia portuguesa”, editora Desierto. Tomem! Ou “Meia-Dúzia de Maldades”, 3º prémio do concurso Inatel Novos Textos de 2000? (Por acaso este também foi mal escolhido, porque começa com um serial killer a torturar uma miúda nua). Isso não interessa, uns gajos de Valência até fizeram ensaio sobre isso na revista Art Teatral. E disseram que eu era um gajo bom. E foi um professor universitário. E na mesma crítica falava do Jaime Rocha, que foi jornalista do PÚBLICO e não tem as paranóias sexuais que dizem que eu tenho. Por isso estão a ver...
Além do mais, há ou não liberdade de expressão? Ou a liberdade é apenas força de expressão?


02h03m — Ponho-me à vontade. Ligo o computador. Abro no coiso dos DVDs. Lê-se assim: “Uma noite no bordel”, realização de John B. Root. Estão a perceber o trocadilho com o Johny B. Goode? Os filmes pornográficos têm muito disto. Por exemplo, o nome do actor Alain Deloin (colaborador habitual da Private e dos filmes de Pierre Woodman), que na realidade se chama Akim e tem um pénis bastante rugoso.
“Uma noite no bordel” é das Produções Marc Dorcel, o que por si só já dá certas garantias de qualidade. Distribuído em Portugal pela Milénio Editora. Actrizes: Melanie Coste, Monica Sweetheart, Nomi, Tiffany Hopkins.
A Melanie anda nesta vida há poucos anos. Acho mesmo que já é uma starlette do século XXI. É uma miúda fina e educada. Suave mesmo. Muito comunicativa. Vi-a numa reportagem de bastidores do Salão de Bruxelas, com o realizador a apresentá-la como a “newcomer” do momento. Pois, nos filmes porno não há “draft” como na NBA, mas as estrelas são escolhidas em castings.
A Monica é uma voluptuosa de leste, que trabalhou para a Private e depois acho que chegou mesmo às produções americanas. Lembro-me de uma cena de felação em que o menino acaba a ejacular para cima dos óculos da Monica. E duplas penetrações e tal.
A Nomi é uma francesinha loura querida, muito desinibida, como convém.
Mas a grande revelação da meia-hora de filme que já vi foi a Tiffany Hopkins, que também deve ser francesa. Aparece vestida de enfermeira (um clássico) e acaba a massajar um matulão. O que se destaca no filme é o à-vontade da demoiselle. É uma jovem tenra, a irradiar frescura por todo o lado. Os seios pequeninos, genuínos e arrebitados. Para quê os quilos de silicone?
A lingerie é muito bem escolhida e é um regalo para a vista. Como mandam as regras, Tiffany despe-se progressivamente. Pois, um bom filme pornográfico tem de ser erótico e revelar preocupações estéticas. Deve mostrar a realidade com o manto diáfano da fantasia. Ou seja, munir-se de mulheres bonitas e moldá-las a um padrão estético. Maquilhagem, cabeleireiro, aparar o púbis, essas coisas.

Já pensaram que a esmagadora maioria das capas dos filmes porno não é pornográfica, mas antes erótica, a fim de estimular o desejo e espevitar a imaginação?
Lembrem-se de uma foto premiadíssima e que é um clássico do erotismo. Um homem está sentado na praia e no areal à sua frente cruzam-se duas mulheres. Uma toda nua, outra com um véu por cima. Ele olha para a que leva o véu.
Bem, voltando à Tiffany. Ela representa com grande descontracção, o que já não é dizer pouco. É verdade que muitas das estrelas porno não sabem representar, mas não se pode levar tudo a eito. Olhem, a americana Veronica Hart (que até entrou na série “Sete Palmos de Terra”, morria electrocutada na banheira, lembram-se? E fez de juíza no “Boogie Nights”, do Paul Thomas Anderson) até tinha cursos de representação. Hoje é realizadora.
Bem, voltando à Tiffany. Não sei se a escolha do nome tem a ver com o Tiffany’s, mas a menina é mesmo uma pequenina jóia rara, “ivre de tendresse”. Esta eu coloquei entre aspas, mas inventei agora. Também escrevo poemas em francês. Poucos, mas escrevo. Ivre de tendresse quer dizer embriagada de ternura. Como vêem, em francês fica muito melhor. Não se pode escrever um livro com todas estas vergonhas e estar a dar uma de snob. Por isso, não é por puro pretensiosismo que escolhi estas palavras. É apenas porque estas palavras tinham de estar ali. Apesar desta obra ser escrita em vários registos (até em registo predial, porque é escrita num quinto andar de um prédio urbano).
Bem, voltando à Tiffany (e ainda nem acabei de ver a cena dela. Não, não foi por me ter masturbado e ejaculado. Foi por ter um javali ao lume), ela começa por entrar na sala de bata branca e estetoscópio azul. Vai falando com o cavalheiro que está deitado de barriga para baixo e diagnostica-lhe stress. E vá de o massajar nas costas. Mas o monsieur continua tenso (está no script). Aí ela aplica os métodos mais revolucionários. E toma lá com o vigoroso pelas goelas acima.

(Desculpem a terminologia, perfeitamente deslocada. Se estou a defender a tese do filme porno bem produzido e sofisticado, não deveria utilizar linguagem mais fernando-rochesca. Daí o ter utilizado anteriormente a palavra felação, em vez de broche. Mas como a miúda se chama Tiffany o broche até pode ter dois sentidos. Pois, para cima e para baixo)
Bem, voltando à Tiffany, a seguir ela cavalga meigamente o senhor. Um expert da pornografia como eu tem um certo olho clínico para descobrir quando elas estão a ter uma certa fruição carnal. Parece ser o caso da menina, que terá uns 20 anos. Desculpem a minha ignorância. Devia ter investigado melhor. Mas a vida é o que é. Vantagens do escritor sobre o jornalista. O escritor faz o que lhe apetece. O jornalista tem um código deontológico para desrespeitar. Não é fácil.
Fiquei-me por aqui no filme.
E foram 36 minutos que segui com interesse. A película começa com um tipo que tem três iniciais no nome (acho que se chama Hervé qualquer coisa, na realidade, mas com as iniciais parece que é um robot) a conduzir a caminho do bordel. O tipo é da polícia e tem de se infiltrar na casa de prazer. Em monólogo com o espectador (isto é correcto? Monólogo a dois?), vai defendendo várias teses de apreciável recorte sociológico, entre as quais a legalização da prostituição, se bem me recordo.
Chegado ao bordel, a criada não o deixa entrar. A criada é a Nomi, que praticamente ainda não entrou em acção no filme. Apenas se vê, logo no início, uma ténua cena de masturbação, quando ela recorda com pesar o momento em que recusou prestar serviços sexuais e ficar-se apenas pela sua função de “bonne”, ou seja, criada. Não para todo o serviço, no caso em apreço. Qual preço? Já tinha dito. O DVD custou 29 euros.
Mas o Hervé consegue entrar com uma menina do bordel que chega atrasada e o toma por um cliente. Na sala, o pessoal já está em acção, mas de forma suave. A Melanie Coste (dona do bordel) recebe os convidados com elevação. E faz a distribuição do jogo, tipo base. Henrique Vieira dos bons tempos do Benfica. Ou Nikos Galis. Ou outro. Augusto Baganha, do Sporting. Isso agora não interessa nada, como diria a Tereza Guilherme, que também tem experiência de orientar pessoas fechadas numa casa em que o sexo ocorria apenas às escondidas. Mas também havia tudo comme il faut, com felações cronometradas da Verónica ao Sérgio. A Verónica por acaso até era andebolista e não basquetebolista.
E a Melanie sacrifica-se mesmo por uma menina do bordel que não quer ser empacotada no segundo canal. Estão a perceber? Sexo anal... pois. E lá vai a Melanie Coste na boa. E junta-se-lhe a Lea de Mae, que é uma checa que foi atleta olímpica. Não percebi se da natação se dos saltos de trampolim. Mas vi um “making of” em que a menina mergulhava que era um primor e se saracoteava para a câmara espectacularmente.
O cliente é um italiano pequenino com uma grande sarda, habitué nas produções italianas. Aqui neste filme fala francês e safa-se muito bem. Também dá uns toques jeitosos no registo cómico.

O cavalheiro já está para sair quando os seus bons préstimos de cliente habitual são requisitados por outra menina da casa, que está a dar formação a uma nova menina. Lá vão os três para outro quarto, onde a novata pratica felação (broche, caralho!) no italiano. Mas ele diz-se muito cansado e a menina mais velha no bordel acaba por recriminar a mais nova, pela sua falta de técnica. A mais nova é uma loura lindíssima e acaba a masturbar o italiano. Por brincadeira, cospe para as mãos, tipo cavador profissional. Pode parecer javardice, mas este registo cómico funciona bem.
Lembrou-me logo o senhor Valentim.
É preciso recuar até aos anos 60, na Venda do Pinheiro, muito pré-Big Brother. Eu tinha uma vivenda com pouquinho terreno, mas os meus pais mesmo assim cultivavam qualquer coisa. E contratavam o senhor Valentim e uns amigos para ir cavar à jorna.
Era tanto à hora mais “pistola”. A pistola era uma litrada de Camilo Alves tinto. Estávamos em pleno salazarismo. Beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses, mas na minha vivenda eram só o senhor Valentim e mais um amigo.
O senhor Valentim era um homem bastante alto (mas eu também era bastante baixo com seis anos), corpulento, sempre vestido de preto, com bóina a condizer, voz de trovão e simpatia contagiante.
— Ó menino, largue lá a enxada, o menino está a fazer buracos. Cavar é outra coisa. Dê cá isso...
Eu dava-lhe a enxada, mas achava estranho tanto pormenor técnico.
E o senhor Valentim volta e meia pousava a enxada, cuspia para as mãos com toda a alma, agarrava na enxada e dava-lhe uma cavadela tão grande que a terra parecia o Diabo a fugir do Richard Burton no “Exorcista”.
Eu depois imitava e punha-me a cuspir para as mãos.
Um dia a minha mãe viu e deu-me uma descasca. Aquilo baralhou-me. Eu percebia que não podia beber vinho, mas essa de não poder cuspir para as mãos não me entrava na carola... então se o profissional o fazia com devoção quotidiana?!?... ele há coisas...
Bem, voltando à Tiffany, perdão, à menina nova na casa... ela acaba por fazer o italiano ejacular (vir-se, caralho!) e é finalmente aplaudida pela menina mais antiga. O italiano proclama “Milagre!”. E como ejacula completamente deitado, fica com o peito coberto de sémen. Chega-lhe até ao pescoço. O que eu apoio vivamente. A cena deixaria Maria Teresa (é com s ou z?) Horta satisfeita. Não podem ser apenas as mulheres a levar com esperma (esporra, caralho!) no corpo. Já é altura de as coisas mudarem.

Nesta cena, entra a magia do porno. O italiano ejacula em abundância (esporra-se como o caralho, caralho!), o que na realidade não seria possível. Por isso, é fácil deduzir que as duas cenas foram rodadas em dias diferentes, para se poder recobrar fôlego.
Pronto, a 1/3 do filme é o que vos posso dizer. Talvez volte ao filme, mas nunca se sabe. Ainda agora estou a começar o diário e já vou quase com 50 mil caracteres. Os editores não papam livros grandes. O quê? O Miguel e o “Equador”? Sim e depois? Eu não sou o Miguel Sousa Tavares. Eu vejo-me forçado a andar pelos antros do sexo para ver se vendo qualquer coisita. O Miguel teve o privilégio de se abraçar a um projecto de fôlego.

domingo, dezembro 10, 2006

O “Clube dos corações solitários”

Conheci Cherry Chérie (nome fictício de stripper bem real, graças a Deus) no “Clube dos Corações Solitários”, nos arredores de Lisboa.
Cherry Chérie tem sabor de cereja. É uma querida. Cherry (da parte da mãe, que nasceu em Nottingham), Chérie da parte do pai (que nasceu em Saint-Malo).
Cherry terá sido concebida durante umas férias loucas em Bucareste. Acabou por nascer em Curitiba, onde viveu 24 anos, antes de chegar a Portugal.
Mistura de anjinho de Boticelli com mulher fatal. Voz de mel, olhar de bambi, se os bambis tivessem os olhos azul-mediterrânico, da cor do mar. O cabelo louro desfralda-se pelos ombros em ondas de luta greco-romana com Adamastor. Não é muito alta, nem muito baixa. Os gestos são pausados, o toque sabe a meiguices.
Os seios construídos à medida, num alfaiate doutorado em pecados. As pernas como um compasso de duas hastes revestidas a seda.
Cherry Chérie passou a dez metros de mim e ajeitou o top.
Vislumbrei a ponta de um seio numa fugaz fracção de segundo. E foi aí que comecei a perder-me no mar dos seus olhos, intuindo hipocritamente um desejo cruel de lhe transformar os seios em romãs maduras para devorar numa alvorada de Bali, com Deus a sorrir bem lá de cima.
Pensei que Cherry Chérie era de leste: Letónia, Estónia, Lituânia, Rússia. Era tão-só brasileira. Sem Rio, S. Paulo ou Salvador.
Era de Curitiba.
E numa private dance de fascínio e sedução fugiu-me a língua para o lapso:
— Curitiba, Pará?
— Não, Belém é que é Pará. Curitiba é Paraná.
Eu farto de saber. E naquela altura o meu lapso pareceu-me homérico, irreparável. Redimi-me, falando de perfumes. E assim cheirámos suavemente os nossos corpos.
Mas o seu verdadeiro perfume era a sedução.
Senhoras e senhores, leitores e leitoras, meninos e meninas, silêncio, por favor! Porque de aqui até ao final do livro, quando calhar, não se vai cantar o fado. Vai cantar-se outro fado.
O destino de uma stripper brasileira em Portugal. Até que a voz me doa e a pena me caia dos dedos.
Pelo meio haverá putas, jazz, desporto, cinema e uma legião de pequenos ácaros chamados etecéteras. A minha vida, portanto, num breve período de tempo. Semanas, para ser mais concreto. Uma espécie de moda Outono/Inverno de Lisbon by Night 2004.
A rasar uma stripper que me passou à tangente e penetrou na alma.
Pois não é assim que se escrevem os livros?

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SHERRY — Type of yellow or brown wine.
CHERRY — 1. Type of small, yellow or red (usually heart-shaped) fruit, with a stone in the middle; 2. the tree on wich this fruit grows. Also adjective having the red colour of ripe cherries.

(Collins English Learner’s Dictionary, latest reprint, 1978, 273 escudos)
Luís Graça, nº11, turma 19, 3º curso, Liceu Camões, Lisboa.

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Dicionário Editora (Porto Editora), 1966, 180 escudos.
Por Armando de Morais, Professor Metodólogo do Liceu Normal de D. Manuel II.
Cherry — cereja, cerejeira; cherry-bob — gaipo com duas cerejas; cherry-brandy — ginjinha; cherry-pie — heliotrópio; cherry-red — rubro-cereja; cherry-stone — caroço de cereja; cherry-tree — cerejeira.

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Chérie — querida, amada, ternamente.

Novo Dicionário Francês/Português. Lello e Irmãos Editores, 1962. José da Fonseca.
Composto em conformidade com os melhores e mais modernos dicionários.


Grande variedade de frases e locuções, assim como de muitos termos de Ciências e Artes, Medicina, Química, História Natural e Botânica, Comércio, Marinha, de um vocabulário Geográfico, e outro de Nomes Próprios, e enriquecido com a pronúncia figurada da língua francesa, de maneira a facilitá-la ao Leitor sem ajuda de mestre.
Nova edição corrigida e aumentada por José Lello e Edgar Lello.

“Necessário se tornava, pois, o aparecimento de um dicionário que, além de grande valor para os estudiosos portugueses, brasileiros e franceses, fosse de extrema utilidade para todos aqueles que conhecem a língua de Camões, o português que melhor conheceu, falou e escreveu a sua língua”
(Setembro de 1962, prefácio dos editores)

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Cerejo — o tempo das cerejas. Cereja — nome de diversos frutos que se assemelham ao das cerejeiras. Do latim popular ceresia, do clássico cerasum, do grego Kerásion.

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And now for something completely different

E a propósito de Curitiba, comprei o DVD “Universitárias de Curitiba” (Hot Gold Collection, www.hotgoldsex.com).
E na capa, à laia de cartão de visita: “Uma viagem ao sul do Brasil. Anal, lesbo”. Custou 25 Euros, na sex-shop ao pé da Praça do Chile, para quem desce da Rovisco Pais, passa ao pé de um bar que se chamava “Antigamente qualquer coisa” e depois corta à direita e anda uns 80 metros, até chegar à montra com lingerie e néons vermelhos.
Este DVD foi comprado exclusivamente por causa deste livro. Movido por uma vontade de investigação científica, percebi que era importante conhecer (nem que fosse através de DVD) meninas de Curitiba, a fim de as comparar com Cherry Chérie.


Atenção, nada de confusões! As actividades são bem diferentes!
Queria apenas comparar anatomias, sotaques, vozes. Enfim, ficar com a alma mais cheia de Curitiba.
Elenco: Cristiane, Mariana, Nívia, Cláudia, Ricardo e Jorge.
Ainda só vi uma cena do DVD. Deu para perceber que o nível educacional de Cherry Chérie é bastante mais elevado do que o das meninas do DVD. E Cherry Chérie é também bastante mais bonita.
Estes DVD apostam na espontaneidade e nos baixos custos. A piada toda está em ouvir o “brasileiro”, que é uma língua cheia de mel. Não obstante, a pornografia tem o seu jargão e todas as línguas definem um glossário relativamente reduzido.
Algumas frases e termos mais usados: “Dêlísssia”; “Gostozzza”; “Tá gôstando?”. Os gemidos tendem a ser um tanto cansativos. O sexo em brasileiro é mais dorido, como se alguém tivesse dado um pontapé num calhau ao entrar no mar.
Uma das meninas, acho que a Nívia (que por acaso é cor de canela) faz de “pivot” e distribui jogo pelo resto do filme. Ou seja, ela é que vai evocando as histórias que servem de pretexto a “flashbacks” (analepses, em termos literários) em que se desenrola o sexo.
Na cena que vi ela tinha um strap-on (um dildo com cinto, para actividades lésbicas ou de simulação masculina) e toma lá vai buscar Tibi na outra menina.
O princípio da cena é que é mesmo uma “dêlísssia”.
— Sabe, eu trouxe um presentinho para você da minha viagem.
— A sério?
— Sim, vou buscar para cê ver.
Isto tudo dito com muito mel. Se, por mera hipótese, colocássemos uma audiência-piloto numa sala de cinema, a ver o filme sem imagem, começando por este diálogo, niguém diria que se tratava de um filme porno. Poderiam alvitrar coisas como: um encontro de amigas, uma delas está prestes a ser mamã e a outra trouxe-lhe um ursinho de pelúcia para o bebé.
O porno italiano é mais cantado e óptimo para utilizar o humor; o porno americano é mais standartizado e pragmático, como numa linha de montagem, mas nas grandes produções o caso muda de figura; o porno francês é o mais bonito de se ouvir. A língua francesa casa melhor com o sexo. Não sei, digo eu.
Um desastre verdadeiro é o porno falado em espanhol. As dobragens conseguem ser atrozes. Não é coisa que se faça a um filme pornográfico, 1º escalão, hard core.